Crítica

O Regresso: uma lenta vingança

É uma possibilidade real: Alejandro González Iñárritu pode conseguir ganhar o Oscar de melhor diretor…

É uma possibilidade real: Alejandro González Iñárritu pode conseguir ganhar o Oscar de melhor diretor e melhor filme dois anos seguidos. Não só porque ele conseguiu fazer dois filmes bons em sequência, mas porque ele merece. O Regresso é um filme excelente e que, para o diretor, é mais aventureiro e de fronteira do que a própria narrativa. É um filme que vem para confirmar que, aos 52 anos de idade, o cineasta mexicano está finalmente se afastando – pelo menos aparentemente – dos dramalhões e dos filmes emocionalmente urbanos, violentos e pesados que marcaram a sua carreira e o lançaram ao estrelato.

Com O Regresso, assim como em Birdman, ele repete a estratégia de explorar novos formatos, temas e estilos, com resultados muito mais satisfatórios do que com o grande vencedor do Oscar do ano passado. Enquanto Birdman era completamente diferente de tudo o que o diretor tinha feito até então – uma comédia com diálogos rápidos e uma profunda meta-linguagem sobre cinema e especialmente sobre Hollywood -, O Regresso volta a ser um filme mais contemplativo, caladão e silencioso, introspectivo como os trabalhos anteriores do diretor. Mas muitas das semelhanças param aí.

A produção é baseada em parte no romance de 2002 de Michael Punke, The Revenant – A Novel of Revenge, em parte na história real documentada do aventureiro Hugh Glass, e em parte na própria cabeça do diretor. Mas a trama central é a mesma: o relato real de quando Glass foi atacado por um urso e deixado para morrer no meio da neve em 1822. Contra todas as expectativas, o aventureiro conseguiu sobreviver e viajar 320 km a pé e se arrastando até o forte dos EUA mais próximo, tudo isso por um território cheio de ursos, índios e bandidos.

O que poderia ser um blockbuster boçal na mão de alguns cineastas ou um filme de faroeste/aventura, raso como uma poça nas mãos de outros, vira um espetáculo visual e emocional nas mãos do diretor mexicano. Em termos de gênero, ele é sim um faroeste, mas sem portas vai-vem, desertos ou duelos ao meio dia. Ele é como os clássicos do gênero: longo, lento, confiando bastante de sua narrativa na poderosa combinação entre visual e trilha sonora.

É aquele tipo de filme que beira a fantasia ao explorar ao máximo a temática da fronteira: um local místico, isolado e hostil onde só os bravos sobrevivem. Porém, não há nada de romântico aqui. Iñárritu combina isso com uma pegada pesada e crua. Nem por um segundo você duvida o quão mortal e impiedosa a fronteira é e várias vezes vai se perguntar o quão desesperado os imperialistas tinham que ser para se embrenhar em locais tão inóspitos.

O primeiro grande destaque fica a cargo da fotografia e da trilha sonora. É um filme belíssimo, de encher os olhos mesmo, com tomadas grandes e amplas, cheio de planos abertos grandiloquentes que destacam a imensidão e o poder da vida selvagem sobre aqueles pequenos e frágeis humanos que ousam perturbá-la. A trilha sonora, muito bela, se destaca por sua adequação: ela é opressiva, quase esmagadora, destacando o quão sozinho e indefeso Glass está em relação ao mundo que o cerca. Em boas palavras, O Regresso é um filme angustiante e sua trilha contribui para isso.

E Leonardo DiCaprio, vai ganhar o Oscar por sua interpretação de Glass? Provavelmente sim, mas será um pouco decepcionante. Embora ele esteja ótimo como sempre, sua performance fica abaixo de outras anteriores, como, por exemplo, todas as suas parcerias com Martin Scorsese. É impossível não se lembrar de suas performances viscerais em O Aviador e O Lobo de Wall Street, por exemplo. Em termos de atuação, Tom Hardy, que vive o antagonista John Fitzgerald, chega a roubar completamente a cena de DiCaprio com um papel muito menor. O Fitz de Hardy consegue ser envolvente no quanto é odiável, um vilão carismático que quase nos faz esquecer do protagonista.

Um dos poucos problemas do filme é que ele demora muito para engrenar, o que já era esperado pelo seu próprio estilo. Isso pode afugentar algumas pessoas, mas leva a outro problema: chega-se a ter a impressão de que o filme não será nada mais do que DiCaprio gritando e sofrendo na lama por duas horas. Embora trágico, é quase cômico.

Por fim, deve-se elogiar o próprio Iñárritu. Este é seu melhor e mais maduro filme, sem dúvida, desde sua incrível estreia com Amores Brutos em 2000. Uma de suas assinaturas, que são os planos-sequência, está lá. Eles são usados apenas nas cenas de batalha, que dão uma emoção única para elas. O Regresso é um filme grande, em escala e em abordagem. Excelente, é sem dúvida um dos melhores filmes do ano.