Você sabia? Personagem brasileiro já tentou destronar o Papai Noel no Natal; veja fotos
Nos anos 1930, esse amigo da natureza trajava penas coloridas
Nos anos 1930, em meio a debates sobre identidade nacional, um personagem tipicamente brasileiro ganhou espaço nos jornais e tentou ocupar o lugar do Papai Noel no imaginário infantil: o Vovô Índio. A figura foi apresentada como alternativa ao símbolo natalino europeu e chegou a protagonizar campanhas, eventos e até peças teatrais, numa tentativa de criar um Natal brasileiro.
A tentativa de criar um Natal nacional
A proposta de substituir o Papai Noel pelo Vovô Índio ganhou força principalmente na imprensa. Em 24 de dezembro de 1932, o jornal O Globo estampou na capa a manchete “Vovô Índio e as crianças”, ao relatar que o personagem havia distribuído presentes em uma escola municipal do Rio de Janeiro. Dias antes, o mesmo jornal publicou um manifesto intitulado “Vamos fazer um Natal brasileiro?”, seguido de um texto ainda mais direto: “Pela deposição de Papai Noel”.
Em São Paulo, o movimento também encontrou eco. Em 1935, segundo O Estado de S. Paulo, o Vovô Índio foi responsável pela entrega de presentes a órfãos paulistanos em uma ação promovida pela Força Pública, antecessora da atual Polícia Militar.
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Concursos, teatro e apoio simbólico
A ideia ganhou fôlego a ponto de, nos anos 1930, ser promovido um concurso nacional para escolher a imagem oficial do personagem. Em 1939, uma peça infantil encenada no Rio de Janeiro promoveu até um encontro simbólico entre o Papai Noel e o Vovô Índio, reforçando o embate cultural entre o modelo importado e a proposta nacional.
Pesquisadores apontam que o então presidente Getúlio Vargas via com simpatia a figura. Há relatos de que ele teria incentivado a difusão do personagem como parte de um projeto de nacionalização da cultura, embora não existam documentos que comprovem um envolvimento direto. “Vargas tinha o compromisso de criar um Estado nacional e símbolos nacionais. Nesse esforço, ele reforçou figuras como Tiradentes e também apoiou a ideia do Vovô Índio”, explica o historiador e sociólogo Wesley Espinosa Santana, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Por que o Vovô Índio não vingou?
Apesar dos esforços, a iniciativa não conquistou o público. Segundo relatos que circulam décadas depois, uma das tentativas teria ocorrido no Natal de 1931, quando o personagem foi apresentado a crianças em um estádio no Rio. A recepção teria sido fria: o público preferia o já conhecido Papai Noel, símbolo consolidado no imaginário ocidental.
“Mas não pegou na população”, resume Santana. Para ele, o Vovô Índio acabou restrito a círculos intelectuais e nacionalistas, sem alcançar adesão popular massiva.
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O significado do personagem
A fábula do Vovô Índio carregava forte simbolismo. Segundo o jornalista Marcelo Duarte, no livro O Guia dos Curiosos – Fora de Série, o personagem seria filho de um escravo africano com uma indígena, criado por uma família branca — uma metáfora da formação do povo brasileiro.
Essa narrativa dialoga com ideias do antropólogo Darcy Ribeiro, que descrevia o Brasil como fruto da mistura das chamadas “três raças tristes”. “O Vovô Índio era o velhinho sábio que simbolizava o sincretismo cultural e étnico do país”, reflete Santana.
A relação com o integralismo
A versão mais estruturada do mito acabou sendo apropriada por simpatizantes do integralismo, movimento nacionalista dos anos 1930. “Houve um esforço de intelectuais nacionalistas, sobretudo de direita, para criar o Vovô Índio como contraponto ao Papai Noel, visto como símbolo estrangeiro”, explica o historiador Leandro Pereira Gonçalves, da UFJF.
Para os integralistas, o personagem representava o caboclo brasileiro, em oposição ao “bom velhinho” associado à cultura norte-americana. Ainda assim, Gonçalves ressalta que o personagem não foi criado pelo movimento, apenas utilizado por ele.
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Um bom velhinho brasileiro e religioso
A narrativa mais conhecida do Vovô Índio foi escrita pelo jornalista Christovam de Camargo, que publicou a história em livro em 1932 e depois no Correio da Manhã. No conto, o personagem morre de desgosto após perder suas terras e, ao chegar às portas do céu, é impedido de entrar por não ter sido batizado.
Jesus, então, intervém e propõe que ele se converta e passe a distribuir presentes às crianças brasileiras no dia do Natal. Assim, o Vovô Índio se torna o “bom velhinho” nacional, reforçando também uma mensagem cristã, importante para os integralistas, cujo lema era “Deus, Pátria e Família”.

Por que o Papai Noel venceu
Apesar de toda a mobilização, o Papai Noel já estava profundamente enraizado na cultura ocidental. “Naqueles anos, sua imagem já era dominante, inclusive no Brasil”, avalia Gonçalves. Além disso, o Vovô Índio acabou associado mais a um projeto ideológico do que a uma tradição popular espontânea.
No fim, o personagem ficou como uma curiosidade histórica — um símbolo de um período em que o Brasil buscava afirmar sua identidade cultural até mesmo no Natal, mas não conseguiu substituir o carisma global do velho Noel de barba branca e roupa vermelha.