Rafael Lacerda revela gostos e detalhes de sua trajetória em entrevista
O treinador colorado foi entrevistado pelo jornalista Diogo Dantas, do jornal O Globo, e falou de sua trajetória como técnico e como jogador

Campeão goiano com o Vila Nova, o técnico Rafael Lacerda já tem seu nome cravado na história do Colorado. Mas, para seguir na memória dos vilanovenses por muito mais tempo, o comandante tenta conquistar os outros objetivos do Tigre na temporada de 2025: o tão sonhado acesso à Série A e chegar o mais longe possível na Copa do Brasil, onde enfrentará o Cruzeiro, nesta quinta-feira (01/04).
Em entrevista ao jornalista Diogo Dantas, do jornal O Globo, Rafael Lacerda abriu o coração. Treinador desde 2019, quando ainda tinha 34 anos, o gaúcho, de São Leopoldo, começou no futebol como zagueiro, tendo, inclusive, passado pelo Goiás na temporada de 2012. Mas as características de liderança e organização, herdadas do pai, fizeram com que ele chegasse à área técnica após pendurar as chuteiras.
Nas últimas semanas, uma fala de Lacerda, após a partida contra o Paysandu, pela segunda rodada da Série B, viralizou e furou a bolha do futebol goiano. Na ocasião, o técnico afirmou que, durante um evento do Vila Nova, uma pessoa, em tom de brincadeira, pediu que ele fosse menos retranqueiro. O treinador rebateu dizendo que se considera “organizado” e que, desta maneira foi campeão goiano.
Fã de seus conterrâneos Tite e Felipão, Rafael Lacerda, um dos novos nomes da safra gaúcha de treinadores, busca, no Colorado, o terceiro acesso de sua carreira. Com o Amazonas, o comandante subiu da Série D para a Série C e da Série C para a Série B. Agora, no Tigre, ele mira a tão cobiçada elite do futebol brasileiro.
Confira alguns trechos da entrevista de Rafael Lacerda ao repórter Diogo Dantas, do jornal O Globo:
Como foi essa sua reação contra as críticas logo depois de um título?
Fui num evento do clube, uma pessoa deu parabéns, mas fez uma brincadeira, não soou legal. “Ah, tinha que ser um pouco menos retranqueiro”. O Amazonas era um time que jogava pra frente. No Vila, um dos pedidos da diretoria era que precisávamos estancar, tomar menos gols. O time bateu na trave no acesso por ser uma equipe que tomava gols. A montagem do time começa de trás pra frente. Organiza primeiro defesa, meio e ataque. A gente vive num país em que o resultado é o que importa. As pessoas procuram o que não está sendo bem feito. A gente tinha números de melhor defesa da Série A. Conseguiu o título goiano que não vinha há 20 anos. Estamos no G4 da Série B, defesa das menos vazadas, e a evolução ofensiva tem sido elogiada. Mas o futebol é louco. Daqui a pouco a gente vai tomar gol e dirão que esquecemos da questão defensiva. É uma balança difícil. Não pode perder a convicção. Depois de sair da fila e ser campeão goiano, poderia vender meu peixe. Agora vou só atacar. O que levou o Vila até aqui é o equilíbrio.
E o que levou você até aqui? De onde vem a referência pela organização tática?
Meu pai é falecido, mas é a referência. Tinha só a quarta série, conseguiu com o trabalho braçal construir uma empresa, uma marmoraria. Foi bem sucedido. Deu todo sustento e condições de estudo pra mim e minha irmã. Ele conseguiu isso por que se organizou. Mesmo sem estudo. Ele foi alguém. Quando ele faleceu ficamos com uma casa boa, carro, condição financeira tranquila. Nunca precisei trabalhar. Não era um grande jogador. Vários amigos pararam pra trabalhar. Meu pai me bancou até 22 anos. Pagou faculdade da minha irmã. Quando eu tinha 18 anos, jogava no Brasil de Farroupilha, ganhava 300 reais. Fui mandado embora com 20 anos. Fui trabalhar com meu pai. Era trabalho pesado. Ganhava 1500 reais. Recebi convite pra ganhar 500 e jogar. Ele queria que eu fosse jogador. Era sonho dele me ver ser jogador. O sonho maior era dele, não meu. Fui jogador pelas circunstâncias. No clube pequeno eu era líder. Nos grandes a questão técnica complicava. Conquistei pelo caráter, pelo grupo. Futebol virou uma paixão. Quando atleta era prazeroso o dia a dia. Mas o jogo não era o ápice. Era mais pesado por que eu não era um primor técnico. Se eu pudesse eu teria parado antes. Hoje sinto prazer em ser treinador. E ele conseguiu me ver na TV, no estádio. Mas não me viu como treinador.
Qual a sua pior e a melhor lembrança em relação a isso?
Em três meses tive a pior como atleta, a perda do meu pai, em 2012. Tava concentrado pro primeiro jogo do Campeonato Gaúcho. Já atendi o telefone gritando. Ele teve um infarto. Larguei tudo, fui pra casa, enterrei meu pai. Dois dias depois, resolvi jogar o jogo. Minha casa estava cheia de parente, minha mãe viu que eu estava mal. “Vai jogar. Seu pai gostava de te ver jogando. Ele ia gostar”. Joguei, fui campeão do primeiro turno. E foi o melhor momento como atleta. Fui eleito melhor zagueiro do Gaúcho. E recebi o melhor convite, fui pro Goiás, fiz meu melhor contrato. Quando as coisas começaram a melhorar, perdi meu pai. Era reserva, mas fui campeão brasileiro no Goiás. A única frustração foi ele não ter visto.
Como lidar com tanta cobrança mesmo em times de menor expressão?
A pressão é absurda. As pessoas não conseguem enxergar isso. Quando ganha, todo mundo ganha. Quando perde, é só o treinador que perde. A gente tem sentimento, fica mal. Mas é prazeroso ser o comandante. Primeira coisa, terapia. Todo treinador de futebol tem que fazer terapia. Muitos tem preconceito de falar, de abordar o tema. Isso me ajudou demais. Por que não consegue separar o técnico do pessoal. Acordo as 6, vou pro clube, vou chegar em casa 20h. Tento dar uma desligada, mas não consigo. Minha esposa trabalha com criança. Criamos rotinas para meu filhos não verem que o pai só vive o futebol. Brinco com eles, tento ajudar com tarefas da escola, rezo antes de dormir. To com meu corpo presente, mas o pensamento tá no clube. Meu pai trabalha pra caramba, mas ao mesmo tempo ele ta aqui. Em quatro meses, foram 5 dias de folga. E nem na folga da um desligada. Ontem tive folga, fui almoçar com a família, fiquei ate 22h vendo os jogos do Cruzeiro, que vamos enfrentar na quinta. Mas familia é porto seguro. Dificil eles acompanharem entre as cidades. Foram pra Manaus, estava em Caxias. O problema é a troca de comando, crianças mudarem de escola, de amigos. E eu duro bastante tempo nos trabalhos. Pelas crianças, opotamos por eles não seguirem, ficaram em Caxias do Sul. Foi o primeiro ano que troquei de time durante a temporada. Eu nunca tinha sido demitido. Quando recebi convite do Vila, a minha esposa disse que ia junto, por que tu fica mais forte, tem as crianças. E o Vila tinha muita troca de treinador. Ela disse: ma se for pensar nisso, todos os clubes trocam e nunca mais moraríamos juntos. Estar com a familia é muito melhor. Perde o jogo tem a esposa e filhos, da um relaxada.
A terapia te ajudou nisso também, e no dia a dia como técnico?
Terapia veio quando virei trerinador. Teria feito como atleta também. Hoje os jogadores estão mente aberta. Eu tenho uma terapeuta particular. Tem treinador que não usa nada disso e teve resultado e vice-versa. Tento trazer questões familiares, motivacionais. Já trabalhei o elenco, dou meu treino, vamos pro jogo. Assim como a questão tática. Não abro mão de usar o goleiro com os pés. E se não tiver quem joga com os pés? Tenho que me adaptar. Aqui jogadores gostam da questão mental. Já fizemos trabalhos com os familiares. Leva filho no clube. Inclusive antes da final. Tem jogador que não gosta. Não pode ser o jogador decidir tudo.
Você no campo e em casa é a mesma pessoa?
Minha esposa fala que não consegue me ver daquela forma em casa. Estranho ver como eu sou ali e no dia a dia. Vivo o clube. Encaro cada dia como se fosse o primeiro. Pode cobrar qualquer coisa, menos acomodação. O VIla é um clube sanguíneo. Difícil ter um treinador mais calmo. A torcida pede um time mais vibrante, enérgico. E o treinador tem que saber dar. O Amazonas não pedia. Em casa sou mais tranquilo. A mulher é mais sanguínea, cuida dos filhos. Eu como pai vejo menos a criança, digo mais sim, faço vontades. Ela faz papel de vilã. Se não virar a chave, não vive. Ficar nessa velocidade, não tem como. Quando saio do CT, mesmo que não desligue, preciso virar o pai, o marido.
Qual seu maior medo?
De não poder dar uma condição boa pra minha família.
E o maior sonho?
Sou pé no chão. Sonho de me tornar um técnico consolidado na Serie A. Amo meu país, não me vejo fora do Brasil.
A maior saudade?
Da minha mãe. Ela sofre muito por causa do meu pai. Me sinto mal por não estar perto dela. Queria poder estar mais perto dela. A gente se fala todo dia que tem jogo. Teve um dia que a mensagem não chegou, a gente perdeu o jogo. Ela brincou que foi por isso, que não respondi. Todo jogo acende as velas dela no altar.
O maior desejo …
A nossa profissão é difícil. Muda rápido. O foco total é subir o Vila. Eu entraria pra história do clube. Há vinte anos perdendo estaduais. Ser campeão goiano e colocar o clube na Série A começa a ter voos maiores. Tenho sonho de trabalhar em grandes clubes do Brasil.
Está preparado?
Pessoal me chamava de professor. Eu não sou formado. Não terminei Educação Física, nem Administração de Empresa. Há duas semanas dei aula pra Licença A da CBF. Sobre organização defensiva. Antes do viral.
E a concorrência?
Sou totalmente a favor dos estrangeiros. Não concordo que são melhores que os brasileiros. A lista de quem deu errado é bem maior. Tem espaço pra todos.