Cientista admite que volta de lobo extinto é falsa; entenda
A Colossal Biosciences havia anunciado em abril a volta da extinção três lobos-terríveis

(Via Folha de São Paulo) A empresa americana Colossal Biosciences anunciou em 7 de abril a suposta volta à vida do lobo-terrível (Aenocyon dirus), alegando tratar-se da primeira espécie a voltar da extinção da história. Imediatamente, diversos cientistas questionaram a versão da empresa, gerando uma polêmica científica que foi tema de reportagem da BBC News Brasil.
Agora, a cientista-chefe da Colossal Biosciences, Beth Shapiro, admitiu, em entrevista à revista de ciência New Scientist, que os animais apresentados pela empresa como “lobos-terríveis” são, na verdade, lobos-cinzentos (Canis lupus) com cerca de 20 modificações genéticas. Ou seja, não houve de fato uma “desextinção” da espécie, que desapareceu há cerca de 10 mil anos.
“Não é possível trazer de volta algo idêntico a uma espécie que já existiu. Nossos animais são lobos cinzentos com 20 alterações genéticas clonadas”, disse Shapiro à New Scientist.
“E dissemos isso desde o início. Coloquialmente, eles foram chamados de lobos-terríveis e isso deixa as pessoas furiosas”, completou a pesquisadora.
Richard Grenyer, biologista e conservacionista da Universidade de Oxford, afirmou à New Scientist que o novo posicionamento da Colossal é muito diferente do que a empresa havia dito antes.
“Acho que há uma séria inconsistência entre o conteúdo da declaração [de Shapiro] e as ações e o material publicitário —incluindo o conteúdo padrão do site, não apenas o briefing de imprensa sobre o lobo gigante— da empresa”, diz Grenyer.
Antes de aparecer na capa da revista Time, acompanhado de uma manchete anunciando que a espécie teria voltado da extinção, o lobo-terrível ganhou fama ao aparecer na série de ficção “Game of Thrones”.
Em abril, um vídeo postado pela empresa americana Colossal Biosciences no X mostrava os uivos de filhotes que supostamente seriam de lobo-terrível.
A companhia disse à época que os animais foram criados a partir de ferramentas de edição genética.
“Esse momento representa não apenas um marco para nós como empresa, mas um avanço para a ciência, a conservação e a humanidade”, comemorou a Colossal Biosciences nas redes sociais, em abril.
Mas cientistas logo apontaram diferenças biológicas importantes entre o lobo da capa da Time e o lobo-terrível que vagava e caçava durante a última era glacial.
Entre eles, estava o zoólogo Philip Seddon, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, que alertou já em abril que estes animais seriam, na verdade, “lobos-cinzentos [Canis lupus], geneticamente modificados”, o que agora foi confirmado pela cientista-chefe da Colossal Biosciences.
O que foi anunciado em abril
Em uma série de vídeos publicados pela Colossal Biosciences nas redes sociais, cientistas que fizeram parte do projeto explicavam em detalhes o passo-a-passo da iniciativa.
De acordo com seu relato, o primeiro passo foi coletar amostras de DNA do lobo-terrível.
Para isso, eles extraíram o material genético —que guarda as informações sobre as características de um ser vivo e as instruções para o organismo funcionar — de duas fontes: um dente de 13 mil anos encontrado em Ohio, nos Estados Unidos, e um pedaço de crânio de 72 mil anos escavado em Idaho, também nos Estados Unidos.
Em seguida, o lobo-terrível teve seus genes sequenciados. Os pesquisadores puderam então analisar essas informações genéticas e buscar qual espécie viva ainda preserva algum grau de parentesco com o animal extinto.
Eles chegaram, então, ao lobo-cinzento que vive em grande parte do Hemisfério Norte, em especial em regiões mais frias, como o Canadá e a Rússia.
Neste processo, eles entenderam quais genes eram iguais ou diferentes entre as duas espécies de lobo —e quais desses trechos de DNA eram responsáveis por determinar características específicas, como tamanho, peso, cor da pelagem, formato das orelhas etc.
A Colossal desenvolveu então técnicas menos invasivas para coletar células progenitoras endoteliais (a camada que reveste o interior dos vasos sanguíneos) do lobo-cinzento.
Essas células foram usadas como a base para o trabalho de modificar os genes.
Por meio de técnicas avançadas como o Crispr, os cientistas fizeram 20 edições em 14 genes, para que eles ficassem de acordo com o que foi encontrado no DNA do lobo-terrível (e não mais do lobo-cinzento).
Com isso, seria possível obter algumas das características do lobo-terrível: pelo branco, maior porte, ombros abertos, cabeça mais larga, mais músculos nas pernas e vocalizações típicas da espécie, marcadas por uivos e choramingos.
Mas o trabalho não terminou aí: com a edição dos genes finalizada, os especialistas transferiram o núcleo dessa célula (local onde fica guardado todo o DNA) para um óvulo —cujo próprio núcleo havia sido retirado previamente.
Esse óvulo, por sua vez, foi cultivado para se tornar um embrião —que foi implantado no útero de uma cadela doméstica.
A cadela teve uma gestação normal e, ao final do período, nasceram os supostos filhotes de lobo-terrível.
Os dois primeiros vieram ao mundo em 1° de outubro de 2024 e foram batizados de Rômulo e Remo —uma alusão ao mito dos irmãos gêmeos amamentados por uma loba que fundaram Roma.
O terceiro, uma fêmea, nasceu em janeiro deste ano e ganhou o nome de Khaleesi, uma homenagem a Daenerys Targaryen, personagem de “Game of Thrones“.
Rômulo, Remo e Khaleesi são mantidos em uma grande reserva privada nos Estados Unidos cuja localização não foi divulgada, para proteger os animais.
Não há previsão de que eles sejam soltos na natureza ou cruzem para produzir uma nova geração.