Em Auschwitz, sobreviventes pedem que o mundo não se esqueça do horror nazista
Cerimônia na Polônia chama a atenção para naturalização do pensamento autoritário no discurso político e nas redes sociais; ataque do Hamas e antissemitismo dominam discursos

BERLIM (FOLHAPRESS) – Oitenta anos após a liberação de Auschwitz, sobreviventes do mais violento dos campos de concentração pediram nesta segunda-feira (27) que o mundo não se esqueça do horror nazista. Realizada na frente da instalação em que Adolf Hitler transformou o extermínio de judeus em operação fabril, uma cerimônia com depoimentos tocantes chamou atenção para a naturalização do pensamento autoritário no discurso político e nas redes sociais.
A preocupação com o antissemitismo também prevaleceu nas falas. O ataque terrorista do Hamas, que matou cerca de 1.200 pessoas em outubro de 2023, e a reação de Israel, que já consumiu 47 mil vidas perdidas em Gaza, fez explodir o número de episódios contra judeus pelo planeta, assim como os debates sobre a questão.
“Não se deve ter medo de forma alguma. Vemos no mundo contemporâneo um enorme aumento do antissemitismo. Foi exatamente esse antissemitismo que levou ao Holocausto”, afirmou Marian Turski, o primeiro sobrevivente a discursar. “Não tenhamos medo de nos opor às teorias da conspiração, que dizem que todo o mal deste mundo resulta de um complô iniciado por alguns grupos sociais indefinidos. Os judeus são frequentemente mencionados como um deles.”
A celebração foi prestigiada por dezenas de chefes de Estado, como o rei Charles, Emmanuel Macron, Olaf Scholz e Volodimir Zelenski, o último aplaudido na hora em que depositou uma vela próximo ao vagão do trem da morte. O carro foi destacado como símbolo da homenagem às vítimas do extermínio, 1,1 milhão nos campos de Auschwitz e Birkenau, a maioria judeus —no total, mais de 6 milhões foram assassinados pelo nazismo.
Como programado, nenhum político teve voz durante o evento. Os sobreviventes do Holocausto, porém, não fugiram do assunto. Quatro deles falaram por 50 que conseguiram comparecer pessoalmente à cerimônia.
“Oitenta anos após a libertação, o mundo está novamente em crise. Nossos valores judaico-cristãos foram ofuscados em todo o mundo por preconceito, medo, suspeita e extremismo”, disse Tova Friedman, que tinha 6 anos quando as tropas soviéticas chegaram ao campo, em janeiro de 1945.
“Tenho memórias vívidas daquele tempo, porque minha mãe nunca deixou que eu as esquecesse”, afirmou a escritora, sugerindo que as gerações mais novas façam algo parecido. O médico Leon Weintraub, que falou em seguida, também pediu aos jovens que “sejam sensíveis a todas as expressões de intolerância e ressentimento contra quem é diferente”.
Weintraub, 99, um polonês que emigrou para a Suécia nos anos 1960 fugindo de outro autoritarismo, o soviético, alertou para a ascensão de movimentos nacionalistas de extrema-direita na Europa, incluindo sua pátria de origem como exemplo. Estava a metros de Andrzej Duda, presidente da Polônia, o artífice da guinada autoritária que o país experimentou na última década.
“Essa ideologia que proclama a hostilidade e o ódio contra os outros, vê o racismo, o antissemitismo e a homofobia como virtudes”, afirmou. “Isso está ocorrendo aqui em nosso país, que sofreu tanto com os danos causados pela ocupação nazista.”
Ronald Lauder, presidente do Congresso Mundial Judaico, discursou em nome dos patrocinadores do Museu Auschwitz-Birkenau. “O que aconteceu em Israel no dia 7 de outubro e o que aconteceu aqui em Auschwitz têm um traço em comum: o antigo ódio aos judeus”, disse. “Hoje, há manifestações contra os judeus. Hoje, vemos comentários vis em redes sociais. Eu lembro então que não estamos em 1933 ou 1939. Estamos em 2025.”
Israel foi representado no evento pelo ministro da Educação, Yoav Kisch. O primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, virou personagem em Auschwitz, mesmo sem ter a intenção de comparecer à cerimônia. Acusado de crimes de guerra em Gaza e com mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, deveria ser detido se fosse à Polônia, mas recebeu um salvo-conduto depois que Duda tentou constranger o premiê, Donald Tusk, seu adversário político.
“A memória dói. A memória ajuda. A memória guia. A memória alerta. A memória aumenta a conscientização. A memória obriga”, declarou Piotr Cywiński, diretor do Museu de Auschwitz-Birkenau. “Sem memória, você não tem história. Se você não tiver memória, talvez não saiba qual caminho escolher. E se realmente não tiver memória, tenha certeza: seus inimigos criarão uma para você.