COLÔMBIA

Novo presidente da Colômbia faz mudança inédita na cúpula militar

Menos de uma semana depois de ser empossado como presidente da Colômbia, Gustavo Petro anunciou uma…

Gustavo Petro, presidente da Colômbia (Foto: Divulgação)
Gustavo Petro, presidente da Colômbia (Foto: Divulgação)

Menos de uma semana depois de ser empossado como presidente da Colômbia, Gustavo Petro anunciou uma mudança inédita na cúpula militar, em meio a um clima que alguns especialistas definem como “tenso” entre o primeiro governo de esquerda da História do país e forças militares e policiais. A renovação dos comandos militares implicará — em alguns poucos casos por motivos alheios à decisão presidencial — na passagem para a reserva de 22 generais da Polícia Nacional, 16 do Exército, 7 da Marinha e 3 da Aeronáutica.

No anúncio oficial na noite de sexta-feira, acompanhado pelos novos comandantes e seu ministro da Defesa, o jurista Iván Velásquez — conhecido por sua defesa dos direitos humanos e por estar por trás de denúncias judiciais contra o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010) —, o chefe de Estado declarou que o critério usado para escolher a nova cúpula foi “violação zero dos direitos humanos e corrupção zero”. As palavras de Petro soaram como acusação aos que estão de saída, segundo comentou-se em círculos militares, da ativa e da reserva.

Vários dos novos comandantes, de fato, têm formação em direitos humanos, entre eles, o general Helder Giraldo Bonilla, agora à frente do Exército, que atuou na implementação de programas na área e tem doutorado em direito internacional humanitário. No ano passado, o agora comandante do Exército esteve à frente de uma tropa de 25 mil homens que atuou durante uma greve nacional contra o governo de Iván Duque (2018-2022), convocada após a tentativa de aprovar uma polêmica reforma tributária.

Um dos objetivos do novo governo, reconhecido por altos funcionários do Ministério da Defesa em conversas informais, é “ajudar os militares e policiais colombianos a limparem sua imagem”, após a condenação generalizada da repressão contra os manifestantes. A escolha do general Giraldo, portanto, tem também o sentido, na lógica do novo governo, de “colaborar para a reconciliação das forças de segurança com a sociedade”.

— Nunca tínhamos visto uma mudança tão rápida e contundente, que levasse à saída da ativa de tantos generais — confirma ao GLOBO Jorge Restrepo, diretor do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac), que, embora concorde com a ousada iniciativa de Petro, faz um alerta: — Os próximos meses serão de muita violência interna, porque todas as operações das forças de segurança serão revisadas e será necessário um período de reorganização.

Restrepo lembra que em 2014, no início do segundo governo de Juan Manuel Santos (2010-2018), um escândalo de grampeamento de telefones envolvendo policiais levou a uma renovação na cúpula da Polícia Nacional, mas, naquele momento, foram para a reserva 12 generais. O recorde foi superado por Petro, numa jogada que Restrepo, um dos especialistas em política militar mais respeitados do país, considera certa.

— O que veremos, na prática, será uma mudança de gerações, e ela é importante para que o novo governo possa avançar na elaboração de uma nova doutrina de segurança nacional. As novas gerações terão a oportunidade de definir essa nova doutrina — afirma o especialista.

Mas nem todos os analistas colombianos estão tranquilos quanto ao desenrolar desse processo. Os primeiros movimentos de Petro são observados com preocupação por pessoas envolvidas na implementação do acordo de paz com a antiga guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), entre elas Camilo González, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz).

González diz que a Colômbia atravessa “um momento crítico”, no qual “as Forças Armadas devem se acostumar com a ideia de estarem subordinadas a um presidente de esquerda, e esse presidente de esquerda deve se acostumar a ser o comandante das Forças Armadas”.

— Estamos vivendo um momento de ajuste, com sinais sendo enviados pelos dois lados. A tendência deveria ser alcançar um equilíbrio. Por enquanto, o comportamento dos comandos militares tem refletido um reconhecimento e acatamento do poder civil — observa González.

Ele ressalta, porém, que chegar a esse equilíbrio não será simples, essencialmente porque os militares colombianos “estão acostumados e treinados para estarem subordinados a governos de direita”.

— É um aprendizado, porque a doutrina com a qual se formaram tem como eixo que a esquerda é um perigo. Existe tensão, mas, como dizemos por aqui, não “ruído de sabres” [a existência de sinais que indiquem o planejamento de um golpe militar] — afirma o presidente do Indepaz.

Assassinatos de ativistas

Na semana passada, numa continuidade do que vem acontecendo nos últimos tempos na Colômbia, ocorreram assassinatos de ativistas sociais e massacres no interior do país. Embora alguns grupos responsáveis pelos ataques, entre eles o Clã do Golfo, tenham anunciado uma trégua antes da posse de Petro, o país continua refém da violência. Dirigentes e organizações sociais vêm pedindo ao presidente um “plano de choque”, mas vozes como o Indepaz afirmam que o problema é muito mais profundo e requer a “formulação de uma política integral de segurança humana e pacto pela vida”.

No sábado, Petro escreveu em sua conta no Twitter uma mensagem que causou mal-estar no mundo militar: “Os massacres e sua impunidade em jurisdições de comandos militares e policiais afetarão a trajetória dos comandos”. Militares reformados se expressaram pela mesma rede social questionando a atitude do presidente, considerada por eles pouco conciliadora.

Desde que foi assinado o acordo com as Farc, em 2016, cerca de 1.342 líderes sociais foram assassinados. Somente este ano, o número chega a 115, segundo dados do Indepaz.

— Não basta perseguir bandidos, é preciso uma política integral de paz — argumenta González, que integra uma comissão subordinada ao presidente e criada no marco do acordo, cujo objetivo é ajudar a formular políticas que pacifiquem o país.

Com Duque a comissão se reuniu poucas vezes e não avançou. A chegada de Petro ao poder criou a expectativa de uma nova etapa. Mas os próximos meses não serão tranquilos, e a nova cúpula militar, conclui Restrepo, deve estar preparada.

— São militares menos experientes e que deverão desenvolver novas formas de operar, num contexto de um novo governo que, como nunca antes na Colômbia, não titubeia na hora de dar murros na mesa e avançar — frisa o especialista.