Números da inteligência de Israel apontam que 83% dos mortos na Faixa de Gaza são civis, revela investigação
Base mostra que 8,9 mil militantes do Hamas e grupos aliados morreram
Uma base de dados da inteligência militar de Israel aponta que 83% dos mortos na Faixa de Gaza não pertencem a grupos como o Hamas, responsável pelo ataque de outubro de 2023, ou outras organizações armadas, apontou um levantamento feito por veículos de imprensa do Reino Unido e de Israel. Segundo os números, dos 53 mil mortos no território até maio, 8,9 mil eram, de fato, combatentes.
De acordo com investigação feita pela revista +972 e pelo site Local Call, ambos de Israel, e pelo jornal britânico Guardian, a base de dados— administrada pela Diretoria de Inteligência Militar (Aman) e considerada a mais confiável à disposição — traz os nomes de 47.653 pessoas ligadas aos braços armados do Hamas e da Jihad Islâmica em Gaza.
Até maio, 8,9 mil desses supostos militantes foram listados pelo Exército como “mortos” ou “provavelmente mortos”, incluindo até 300 lideranças de alto escalão.
Os números foram cruzados com os do Ministério da Saúde de Gaza, que, embora publicamente considerados “exagerados” por Israel, internamente são vistos pelos militares como “confiáveis”. Até maio, quando foram obtidos os dados da inteligência, o ministério confirmava 53 mil mortes: com isso, a investigação conclui que 44,1 mil civis morreram de outubro de 2023 até maio passado.
Fontes militares ponderam que o número de militantes mortos é “provavelmente maior” do que o indicado, mas elas reconhecem que as cifras apresentadas pelo governo não correspondem à realidade, em especial sobre quem são as vítimas da guerra.
— Estamos relatando muitos mortos do Hamas, mas acho que a maioria das pessoas que relatamos como mortas não são realmente agentes do Hamas — disse uma fonte de inteligência que acompanhou as forças em terra aos veículos responsáveis pela investigação. — As pessoas são promovidas ao posto de terroristas após a morte. Se eu tivesse dado ouvidos à brigada, teria chegado à conclusão de que matamos 200% dos agentes do Hamas na área.
Em setembro do ano passado, o premier Benjamin Netanyahu afirmou que o conflito tem “a menor proporção de mortes de civis por combatentes na História da guerra urbana moderna — de 1 para 1”.
— Não há absolutamente nenhuma conexão entre os números anunciados e o que está realmente acontecendo. É apenas um grande blefe — disse ao Guardian Itzhak Brik, um general aposentado que atuou como conselheiro de Netanyahu no início da guerra mas que se tornou um crítico da operação militar. — Eles mentem sem parar, tanto o escalão militar como o escalão político.
Ao trazer dados oficiais, obtidos sem o aval das autoridades israelenses, a investigação parece comprovar o que levantamentos semelhantes demonstram há algum tempo. Em janeiro, um estudo da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres afirmou que o número de real mortos seria 41% maior do que o divulgado pelas autoridades de Gaza, com mulheres e crianças correspondendo a quase 60% das vítimas. A subnotificação de vítimas também foi apontada em uma análise da revista britânica The Economist, em maio.
A taxa de mortalidade de civis em Gaza, segundo o levantamento, é uma das mais altas em conflitos armados na História moderna: ela só é superada pela batalha de Mariupol, na Ucrânia, quando 92% dos mortos eram civis, pelo Cerco de Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina (95%) e pelo genocídio em Ruanda, onde apenas 0,2% dos mortos eram combatentes. Como destaca a investigação, a lei internacional não fala em um percentual “aceitável” de mortes de civis em guerras, mas aponta para a necessidade da “proporcionalidade”.
— Essa proporção de civis entre os mortos seria excepcionalmente alta, especialmente considerando que isso já acontece há tanto tempo — disse ao Guardian Therése Pettersson, do Programa de Dados de Conflitos de Uppsala (Suécia). — Se você destacar uma cidade ou batalha específica em outro conflito, poderá encontrar taxas semelhantes, mas muito raras no geral.
Em comunicado enviado ao Guardian, ao +972 e ao Local Call, um porta-voz israelense afirmou que “os números apresentados no artigo estão incorretos e não refletem os dados disponíveis nos sistemas” das Forças Armadas.
As alegações devem reforçar a já intensa pressão internacional sobre Israel para que encerre a guerra em Gaza e que permita a entrada em número aceitável de ajuda no enclave, cenário de uma das mais graves crises humanitárias dos últimos anos. Nesta sexta-feira a ONU classificou, pela primeira vez, a região da Cidade de Gaza como em estado de fome, após relatório divulgado nesta sexta-feira pela Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), órgão apoiado pelas Nações Unidas e responsável por monitorar a insegurança alimentar no mundo.
O governo israelense, que nega que haja fome em Gaza, chamou as conclusões de “parciais e enviesadas”, disse que o documento era “fabricado” e que integra “uma campanha de mentiras”.
Via O Globo