Europa

Primeiro-ministro de Portugal pede demissão; escândalo abala também presidente

Antes livre de crises, país acompanha atônito novos casos de suspeitas de corrupção e favorecimento

Primeiro-ministro de Portugal, António Costa (Foto: Twitter)
Primeiro-ministro de Portugal, António Costa (Foto: Twitter)

A popularidade e a credibilidade dos dois maiores governantes de Portugal sofreram abalos no intervalo de poucos dias. Antes considerado um território livre de grandes e recentes escândalos políticos, o país acompanha incrédulo dois casos distintos e simultâneos de suspeita de corrupção e favorecimento envolvendo o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o o primeiro-ministro António Costa, que pediu demissão.

Na manhã desta terça-feira, Costa foi surpreendido pela notícia que está sendo investigado pelo Ministério Público em inquérito que corre no Supremo Tribunal de Justiça. A Procuradoria Geral da República informou que a suspeita sobre o primeiro-ministro é que ele tenha feito “intervenção para desbloquear procedimentos” em negócios de extração e exploração de lítio e hidrogênio verde por empresas particulares em Montalegre e Sines.

Algo inimaginável há alguns anos e que levou Costa e Marcelo Rebelo a se reunirem duas vezes hoje. Costa teria apresentado seu pedido de demissão ao presidente no segundo encontro. E, depois, confirmou em pronunciamento.

— Apresentei minha demissão ao presidente. Encerro etapa com consciência tranquila. Foram quase oito anos aos quais me dediquei com toda a minha energia. Saio disponível para colaborar com a Justiça (…) Ninguém está acima da lei — declarou.

A revelação surgiu na sequência de uma operação da Polícia de Segurança Pública e do Ministério Público realizada na manhã de hoje. Um dos alvos das buscas foi o Palácio São Bento, residência oficial do primeiro-ministro.

Consultor e considerado um dos melhores amigos de Costa, Diogo Lacerda Machado foi detido, assim como o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. O prefeito de Sines, Nuno Mascarenhas, integrante do Partido Socialista do qual Costa é secretário geral, também foi detido. Dois empresários tiveram mandado de detenção decretado.

E a dimensão antes inédita desta mancha de suspeita corrupção pairou sobre pastas importantes do governo, que pode ver o indiciamento dos ministros do Ambiente, Duarte Cordeiro, e Infraestruturas, João Galamba, além do ex-ministro João Pedro Matos Fernandes.

Marcelo Rebelo também enfrenta suspeitas envolvendo supostos pedidos de favorecimento para o acesso de duas bebês brasileiras a remédio milionário. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) investiga o caso.

A “TVI” fez uma reportagem, divulgada na última sexta-feira, na qual levanta suspeita que o presidente possa ter interferido para que as gêmeas, que têm cidadania portuguesa, recebessem o remédio de dose única Zolgensma. O medicamento, que custa € 2 milhões (R$ 10,5 milhões) por unidade, é considerado o mais caro do mundo.

O tratamento para a rara doença neurodegenerativa EMA foi realizado mesmo com a oposição da equipe de neuropediatria do Hospital de Santa Maria, administrado pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS). As crianças viviam no Brasil e não tinham número do SNS, mas conseguiram a consulta. O hospital abriu uma auditoria.

Mãe das gêmeas, Daniela Martins primeiro negou o favorecimento. Mas ao fim da entrevista acabou falando, com as câmeras ainda ligadas.

“Dei de cara com a médica. Ela falou para mim que não ia dar, que não tinha mandado eu ir lá. Aí a gente usou nossos contatos, né? Aí entrou o pistolão que você falou. Conheci a nora do presidente, que conhecia o ministro da Saúde, que mandou um e-mail para o hospital.”

Presidente da Câmara de Comércio Portuguesa em São Paulo, Nuno Rebelo de Sousa é filho de Marcelo Rebelo, que negou, em duas ocasiões, ter agido para favorecer as gêmeas.

— Se tivesse feito, tinha dito: ‘fiz isso’. Não, não fiz. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra, não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei ao presidente do hospital nem ao conselho de administração. Não falei — disse ele, indicando que poderia ir à Justiça:

— Vendo a reportagem, ninguém aparece dizendo que eu falei com essa pessoa. Se aparecer alguém, eu aí não tenho outro remédio se não, eventualmente , ir a tribunal comparar a minha verdade com a verdade dessa pessoa. Os portugueses têm direito de saber se o presidente está mentindo ou se está dizendo a verdade. Não se trata do dever da defesa da minha honra, mas do dever da defesa do presidente da República.