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Vitória da extrema direita provoca terremoto na política da Itália

A líder do partido de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), Giorgia Meloni, comemorou nesta segunda-feira…

Vitória da extrema direita provoca terremoto na política da Itália (Foto: Facebook)
Vitória da extrema direita provoca terremoto na política da Itália (Foto: Facebook)

A líder do partido de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), Giorgia Meloni, comemorou nesta segunda-feira a vitória da coalizão tripartite de direita nas eleições legislativas de domingo, prometendo “fazer o máximo para restaurar a dignidade e o orgulho da nação”. O resultado inédito, no entanto, gera um terremoto político cujos impactos são sentidos em todo o espectro político italiano.

Após seu discurso em tom conciliador na madrugada de domingo para segunda, afastando-se da retórica polarizante que a catapultou no cenário político italiano, Meloni fez um breve pronunciamento nas redes sociais. Em uma postagem em seu Facebook, aquela que é cotada para ser a primeira mulher chefe de governo no país, disse que “os italianos confiaram a nós uma responsabilidade importante”:

“Agora será nossa tarefa não decepcioná-los e fazer o máximo para restaurar a dignidade e o orgulho da nação”, escreveu ela, horas antes de compartilhar um desenho feito por sua filha de 6 anos parabenizando-a pelo resultado.

Com mais de 99,96% das urnas apuradas, a coalizão que une o FdI, a Liga, também de extrema direita, e o centro-direitista Força Itália teve 43,79% dos votos da Câmara e 44,02% dos votos para o Senado. Terá 235 deputados em sua bancada, 34 a mais que o necessário para controlar a Casa. Os senadores deverão ser 119, 18 além da maioria.

O comparecimento às urnas foi de 63,91%, dez pontos percentuais a menos que os 73,68% registrados em 2018. É um recorde negativo para um país onde a abstenção não era tradicionalmente um problema, sinal da crescente apatia dos italianos diante de uma perpétua crise política que faz o país ter, em média, um novo governo a cada 14 meses.

A vitória das direitas deve-se principalmente ao desempenho excepcional do partido da controversa Meloni — filha política de uma organização herdeira das ideias de Benito Mussolini, o Movimento Social Italiano (MSI), Meloni até hoje se recusa a condenar os atos do ditador. O FdI teve 26% dos votos na Câmara e no Senado, seis vezes os 4,3% que obteve há quatro anos, beneficiada pelo descontentamento popular com o status quo: a sigla foi a única que não havia participado de nenhum dos três governos formados depois da eleição de 2018.

Isso lhe fez roubar votos de suas parceiras de coalizão, acordo que havia sido firmado antes mesmo da campanha eleitoral para dar uma guinada à direita. A Liga de Matteo Salvini teve 8,8%, desempenho nove pontos abaixo do obtido há quatro anos. Já a Força Itália do ex-premier Silvio Berlusconi somou 8,12%, seis pontos a menos do que na eleição anterior.

Futuro em xeque

O ex-primeiro-ministro, que retorna ao Senado italiano nove anos após ser expulso por acusações de fraude, se disse “satisfeito” com os resultados de seu partido — respirando por aparelhos, a imagem do Força Itália é indissociável da de Berlusconi. Salvini, contudo, mostrou-se inquieto com o resultado da sua Liga que chegou a ter a segunda maior bancada após a última eleição geral:

— O resultado da Liga não me satisfaz, não é aquilo pelo que trabalhei, mas seremos protagonistas no governo — disse ele em uma entrevista coletiva em Milão, após parabenizar Meloni. — Não é necessário ser um cientista político para dizer que a Liga é o segundo partido do governo — completou ele, que convocou para terça uma reunião do conselho partidário com o fim de analisar o resultado das urnas.

O resultado ruim põe em maus bocados aquele que há apenas três anos era vice-premier italiano e um proeminente ministro do Interior. Se vê forçado não só a prestar contas para a militância, mas também para lideranças partidárias que viram o FdI vencer a Liga com folga em bastiões do Norte.

Algumas raras vozes mais críticas, como a do deputado Paolo Grimoldi, pedem a cabeça de Salvini, mas não há indícios de que o chefe da Liga pretende abrir mão do poder, afirmando “nunca ter tido tanta determinação e vontade de trabalhar”. Quem abriu mão da liderança, contudo, foi Enrico Letta, do Partido Democrático, de centro-esquerda.

Esquerdas divididas

O bloco de centro-esquerda teve um resultado catastrófico: somou 26,13% dos votos na Câmara e 25,99% no Senado — elegendo ao menos 80 deputados e 39 senadores. O PD teve sozinho 19,07% dos votos, o que lhe faz ser o principal partido de oposição, mas um fator essencial para derrubar Letta foram as críticas maciças diante da estratégia adotada.

O partido não quis fazer uma aliança com o Movimento Cinco Estrelas (M5S), legenda que surgiu como antissistema, mas torna-se cada vez mais de centro-esquerda. Sua saída do governo de coalizão do tecnocrata Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, foi um dos fatores que levou ao colapso do governo e forçou as eleições antecipadas:

— Se passamos do governo Draghi para o governo Meloni, é por causa de Giuseppe Conte, que derrubou a gestão antiga — disse Letta, pondo a culpa no chefe do M5S e afirmando que deixará o comando de seu partido após o Congresso da legenda.

O M5S, que disputou sem formar coalizão, teve 15,43% na Câmara, ou 51 assentos, e 15,55% no Senado, elegendo ao menos 51 parlamentares. Os percentuais são metade dos 32% de quatro anos atrás, quando a legenda conquistou a maior bancada. Desta vez, foi particularmente prejudicada pela alta abstenção no Sul, seu bastião eleitoral.

Junto com o PD, o M5S seria competitivo, mas a fragmentação é apontada como um dos fatores-chave por trás da vitória da extrema direita. Conte, por sua vez, acusou Letta de buscar bodes expiatórios para fugir de sua responsabilidade, mas desejou boa sorte a Meloni e disse estar pronto para “defender nossos valores constitucionais”.

Próximas etapas

As novas Casas devem tomar posse em 13 de outubro, em sua primeira composição após a redução dos assentos determinada por um referendo há dois anos. O número total de Cadeiras passou de 945 para 600, com 400 deputados e 200 senadores.

O primeiro passo será eleger os líderes do novo Congresso e assim que isso acontecer, o presidente Sergio Mattarella deve iniciar as consultas para formar um novo governo. Como a aliança já está pré-formada e tem a maioria, não deve haver grandes problemas ou atrasos para a posse no novo Gabinete.

Se há disputas de ego entre Meloni, Berlusconi e Salvini, a vitória maciça do FdI faz de sua líder a grande favorita para o cargo. Os desafios que têm pela frente, contudo, não são pequenos: há divergências na coalizão sobre pontos que vão da guerra na Ucrânia à permanência da União Europeia. A maciça dívida pública italiana e a crise energética que assombra a Europa também não devem facilitar para a nova gestão.