Bolsonaro entrega resposta de cinco páginas ao STF; veja o que ele disse
Bolsonaro argumenta ainda que a replicação de declarações por terceiros em redes sociais era um "desdobramento incontrolável"
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro negou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o descumprimento de medidas cautelares impostas. Entre as restrições impostas ao ex-mandatário está o uso das redes sociais, mesmo que indiretamente. Segundo os advogados, porém, a replicação de declarações e entrevistas do ex-mandatário em perfis de terceiros, hipótese considerada pelo magistrado como burla à ordem judicial, foge do seu controle.
Em uma manifestação de cinco páginas, os advogados afirmam que Bolsonaro “jamais cogitou que estava proibido de conceder entrevistas”, mesmo que essas declarações possam acabar sendo replicadas em redes sociais. Eles argumentam que, em sua visão, a Primeira Turma do STF “não parece ter referendado tal proibição”. Neste sentido, a defesa pede a Moraes que esclareça se o ex-presidente está impedido de conceder entrevistas. “a fim de que não haja qualquer equívoco na compreensão da extensão pretendida pela medida cautelar imposta”.
A defesa argumenta ainda que a replicação de declarações por terceiros em redes sociais constitui “desdobramento incontrolável” da comunicação digital e, por isso, “alheio à vontade ou ingerência” de Bolsonaro. Os advogados acrescentam que uma entrevista pode ser “retransmitida, veiculada ou transcrita nas redes sociais” sem que isso implique em “participação direta ou indireta do entrevistado, que não pode ser punido por atos de terceiros”.
“É notório que a replicação de declarações por terceiros em redes sociais constitui desdobramento incontrolável das dinâmicas contemporâneas de comunicação digital e, por isso, alheio à vontade ou ingerência do Embargante. Assim, naturalmente uma entrevista pode ser retransmitida, veiculada ou transcrita nas redes sociais. E tais atos não contam com a participação direta ou indireta do entrevistado, que não pode ser punido por atos de terceiros”, diz a defesa entregue a Moraes.
No documento, a defesa também refuta qualquer descumprimento das medidas e, “a fim de que não haja qualquer equívoco na compreensão da extensão pretendida pela medida cautelar imposta”, pedem que o STF esclareça exatamente o que está proibido — especificamente, se a proibição ao uso de mídias sociais também abrange a concessão de entrevistas.
“O Embargante não postou, não acessou suas redes sociais e nem pediu para que terceiros o fizessem por si”, afirma os defensores.
A resposta foi enviada após Moraes dar 24 horas para que os advogados do ex-presidente prestassem esclarecimentos sobre possível descumprimento de restrições, após o ex-chefe do Palácio do Planalto ir à Câmara no mesmo dia. Na ocasião, o ministro advertiu que o descumprimento das restrições poderia levar à decretação imediata da prisão do ex-presidente.
Agora, Moraes deverá encaminhar o documento à Procuradoria-Geral da República (PGR), que vai avaliar se as explicações da defesa são suficientes. Só então o ministro do STF deve tomar uma decisão sobre o caso.
A decisão do ministro foi motivada por publicações nas redes sociais nas quais o ex-presidente aparece exibindo a tornozeleira eletrônica e fazendo declarações a veículos de imprensa, o que configuraria burla às determinações judiciais de não utilizar redes sociais, ainda que por meio de terceiros.
Na última sexta-feira, quando determinou as restrições a Bolsonaro, Moraes já havia determinado que o antigo mandatário não mantivesse contato com autoridades e outros investigados nas ações penais relacionadas ao 8 de Janeiro. Também foi determinado o uso de tornozeleira eletrônica.
Em sua decisão, Moraes diz que já havia esclarecido, nesta segunda-feira, que a medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”.
“Na mesma data, foram divulgadas diversas postagens nas redes sociais, em que o réu Jair Messias Bolsonaro exibe o aparelho de monitoramento eletrônico, proferindo discurso para ser exibido nas plataformas digitais”, prossegue Moraes, incluindo na decisão fotos de postagens de diversos veículos de comunicação das declarações dadas por Bolsonaro na Câmara nesta segunda-feira.
Desde a última sexta-feira, Bolsonaro usa uma tornozeleira eletrônica e tem de cumprir recolhimento domiciliar noturno e está proibido de usar redes sociais, mesmo indiretamente. Ele ainda está proibido de se comunicar com o filho, Eduardo Bolsonaro, e com autoridades estrangeiras. Também não pode se aproximar de representações diplomáticas de outros países.
Entenda a operação
A aproximação com os Estados Unidos por meio da troca de mensagens nas redes com o presidente Donald Trump, que vem reforçando ataques ao Judiciário, o envio de R$ 2 milhões a Eduardo e a movimentação do parlamentar nos EUA buscando retaliações a autoridades brasileiras foram usados como argumentos para a operação que teve Bolsonaro como alvo, na última sexta-feira.
Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), todo o contexto indicava ainda uma possibilidade de Bolsonaro deixar o país para evitar ser punido, hipótese que foi reforçada, na visão de investigadores, pela apreensão de dólares. O ex-presidente nega qualquer plano de fuga.
“As ações de Jair Messias Bolsonaro demonstram que o réu está atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita, conjuntamente com o seu filho Eduardo Nantes Bolsonaro, com a finalidade de tentar submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro, por meio de atos hostis derivados de finalidade de coagir essa Corte no julgamento da AP 2.668/DF”, escreveu Moraes, em referência à ação em que Bolsonaro é réu por liderar uma tentativa de golpe após derrota nas eleições de 2022.
A aplicação de restrições a Bolsonaro aconteceu no contexto da crise comercial e política que vem se agravando entre Brasil e Estados Unidos. Com o avanço do processo da trama golpista, Eduardo passou a defender abertamente que o governo americano aplique sanções a ministros do STF. Na mesma sexta-feira, o governo americano anunciou a revogação do visto de entrada no país de Moraes e outras autoridades.
Na semana passada, Trump enviou carta a Lula em que, enquanto atacava o Judiciário e defendia Bolsonaro, anunciou tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. Eduardo comemorou a medida e afirmou nas redes sociais que foi o responsável pela “intermediação” com o governo dos EUA.
Para Moraes, a imposição de tarifas, cenário que o governo Lula tenta reverter, tem o objetivo de impactar as relações diplomáticas entre Brasil e EUA e criar uma “grave crise econômica” no país com a consequente “pressão política e social” no Judiciário por “interferência” no andamento do processo da trama golpista, cujo julgamento deve ocorrer até setembro. Bolsonaristas também tentam aprovar no Congresso um projeto que anistia envolvidos no 8 de Janeiro e poderia incluir Bolsonaro, mas o andamento, que já era visto como complicado, tornou-se ainda mais improvável com o desdobramento da crise.