DERROTA

Câmara enterra MP do aumento de impostos e derrota governo Lula, que acusa interferência de Tarcísio

Casa aprovou retirada de pauta no último dia de vigência da medida, mesmo após concessões do governo

Câmara enterra MP do aumento de impostos e derrota governo Lula, que acusa interferência de Tarcísio
Câmara enterra MP do aumento de impostos e derrota governo Lula, que acusa interferência de Tarcísio (Foto: Kayo Magalhães - Câmara dos Deputados)

BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados impôs uma derrota ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e retirou de pauta a MP (medida provisória) de aumento de impostos. Na prática, a decisão enterra de vez a medida, importante para sustentar a arrecadação e reduzir despesas obrigatórias em 2026, ano eleitoral.

Um requerimento de retirada de pauta foi aprovado por 251 votos a 193. A votação ocorreu na noite desta quarta-feira (8), último dia de vigência da MP, que agora perderá validade.

Segundo técnicos da área econômica, a derrubada da MP deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e abrir um impasse de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026. Para governistas, esse era justamente o objetivo de partidos do centrão e da bancada ruralista: restringir o espaço fiscal de Lula no ano em que ele deve buscar a reeleição.

A derrota veio mesmo após o governo fazer uma série de concessões na tentativa de ampliar o apoio à medida, o que incluiu poupar as bets (casas de apostas) do aumento na tributação proposto inicialmente e manter a isenção sobre rendimentos de títulos imobiliários e do agronegócio.

Apesar desse esforço, a MP foi aprovada por apenas um voto de diferença na comissão mista em sessão nesta terça-feira (7). O placar de 13 a 12 acendeu um alerta no governo, que passou a entender a rejeição dos parlamentares não mais como uma questão de mérito, mas sim política.

Horas antes de a MP ser sentenciada às gavetas do Congresso, o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), reconheceu o risco de derrubada do texto e atribuiu esse desfecho a uma disputa eleitoral antecipada capitaneada por partidos do centrão e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tido como o nome favorito da oposição para enfrentar Lula na corrida presidencial.

O mesmo discurso foi encampado por lideranças governistas. Tarcísio nega qualquer atuação contra a MP.

Na avaliação do governo, a falta de votos suficientes para aprovar a medida reflete uma disputa eleitoral antecipada, com partidos do centrão e a bancada ruralista quebrando um acordo para votar contra o texto com o objetivo de restringir o espaço fiscal que Lula terá em ano eleitoral.

Esse revés ocorre apenas uma semana após a Câmara dar sinal verde ao projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda a quem ganha R$ 5.000 e institui um imposto mínimo sobre contribuintes de alta renda —medida que era promessa de campanha de Lula e será usada pelo PT como trunfo para alavancar sua candidatura ao Palácio do Planalto no ano que vem.

Como reação, os governistas partiram para a disputa política junto à opinião pública, sob o argumento de que a derrota imposta pelo Congresso vai deflagrar cortes de outros gastos e projetos sociais.

Antes da votação, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) criticou a tentativa do Congresso de restringir as contas do Executivo.

“É o mesmo movimento que foi feito em 2022, com sinal trocado. Em 2022, o governo [do ex-presidente Jair Bolsonaro] usou o Congresso para liberar geral o Orçamento, dar calote num, não pagar o outro e assim por diante, para, na farra de gasto que foi feita em 2022, ter vantagens eleitorais. Isso não se confirmou. Porque a população percebe essas coisas. Agora, querer restringir o orçamento para prejudicar o governo, não vai acontecer, vai prejudicar o Brasil”, disse.

A previsão inicial do governo era arrecadar R$ 20,9 bilhões em receitas extras com a medida em 2026, previsão que já havia caído a R$ 17 bilhões com as mudanças feitas por Zarattini.

O Executivo ainda calculava uma economia de R$ 15 bilhões em despesas no ano que vem ao endurecer regras do seguro-defeso (benefício pago a pescadores artesanais no período em que a atividade é proibida), limitar a concessão de auxílio-doença por meio de atestado médico (sem perícia presencial) e incluir o Pé-de-Meia (que paga bolsas de incentivo à permanência de alunos no ensino médio) no piso constitucional da educação.

Segundo técnicos do governo, a derrubada da MP deve causar um bloqueio nas despesas de 2025, incluindo emendas parlamentares, e abrir um impasse de R$ 35 bilhões no PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2026, já que a medida incluía não só receitas extras, mas também redução de despesas.

Sem a vigência da MP, cujo prazo de tramitação se encerrou nesta quarta-feira (8), os parlamentares terão que revisar as projeções do PLOA para sua aprovação. Segundo técnicos do governo, o ajuste na despesa, da ordem de R$ 15 bilhões, será inescapável. Do contrário, o Congresso Nacional aprovaria um PLOA ilegal, que não cumpre o piso constitucional da educação.

No caso das receitas, o Legislativo poderia repor o valor com outras fontes de arrecadação ou aprovar uma despesa menor para cumprir a meta fiscal. Se isso não acontecer, ou a receita for inflada artificialmente, o governo precisará fazer um contingenciamento de recursos na primeira avaliação, programada para março de 2026. A medida alcançaria inclusive as emendas parlamentares.

Algumas das medidas de contenção de gastos foram importantes para ajudar na execução do Orçamento de 2025, sobretudo a do seguro-defeso e a limitação do Atestmed, do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O diagnóstico do governo é que só no pagamento do benefício aos pescadores houve uma economia superior a R$ 2 bilhões. Nesse contexto, a derrubada da MP se reverteria automaticamente em um bloqueio de mais de R$ 2 bilhões ainda este ano —dos quais cerca de R$ 500 milhões recairiam sobre as emendas parlamentares.

Parlamentares governistas chegaram a citar que o Ministério da Fazenda pode editar decretos e portarias para aumentar a tributação e recuperar parte da arrecadação prevista com a MP, o que pode prejudicar ainda mais os setores taxados na medida. No entanto, técnicos afirmam, sob reserva, que ainda não há nenhuma tratativa concreta nesse sentido.

A MP dos impostos foi publicada pelo governo em junho para compensar a perda de arrecadação com a derrubada parcial do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) —o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou inconstitucional o trecho que tributava o risco sacado (operação financeira onde um banco ou instituição antecipa pagamentos a fornecedores).

Entre as principais alterações no texto original, Zarattini poupou as bets (casas de apostas) da alta na tributação, manteve a isenção sobre rendimentos de títulos imobiliários e do agronegócio, e unificou a alíquota do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e investimentos (exceto os isentos) para 18%, contemplando inclusive a JCP (Juros sobre Capital Próprio).