Deputados discutem realização de referendo para instituir prisão perpétua
Questões mais polêmicas do projeto Antifacção devem ser incluídas em alteração da Constituição
Elaborada pelo governo Lula em um texto enxuto de oito páginas, com o objetivo de ampliar o papel da União na coordenação de ações contra o crime, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública deve sair “mais robusta e ousada” da Câmara dos Deputados. A qualificação foi dada pelo relator da proposta, o deputado Mendonça Filho (União-PE), que planeja finalizar o parecer até 4 de dezembro com uma série de acréscimos.
Entre os pontos mais controversos estão a inclusão de um dispositivo para impedir a progressão de regime para “supercrimes”, como os delitos contra vida, estupro seguido de morte e pertencimento a facções. No projeto Antifacção, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), há um instrumento semelhante que prevê que membros de organizações criminosas só podem ter benefícios penais após o cumprimento de 85% da pena.
— Na PEC, será 100%, progressão zero. Passando numa PEC esse dispositivo teria menos chance de ser considerado inconstitucional — disse Mendonça.
Em 2006, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo de uma lei ordinária que proibia a progressão de regime para crimes hediondos.
O relator argumenta que esse pode ser o mesmo destino do dispositivo no projeto Antifacção. Por isso, defendeu a sua inclusão na emenda constitucional.
Outra medida polêmica que está sendo discutida pela cúpula da comissão especial da PEC é a instituição de prisão perpétua para crimes considerados “super-graves”. A medida é encampada pelo presidente da comissão, o deputado Aluísio Mendes (Republicanos-MA).
— É uma ideia minha e do Mendonça. Isso seria aplicado para crimes super-hediondos, como em casos de feminicídio quando se mata a mãe na frente do filho, crime de facção com chacinas e homicídios triplamente qualificados — afirmou Mendes.
O relator da proposta confirmou que recebeu o pleito, mas evitou dizer se vai incluí-lo ou não em seu relatório final.
Para se precaver de eventuais questionamentos no Supremo, a ideia é incluir a previsão de prisão perpétua na Constituição condicionada a um referendo à população, que seria consultada nas eleições de 2026 se aprova ou não a ideia.
— Nós remeteríamos para a população decidir. Seria para crimes classificados como acima de hediondos — acrescentou Mendes.
O ministério da Justiça é contra esses acréscimos, mas o texto agora está nas mãos do Congresso Nacional. Se for aprovada na Câmara e no Senado, a PEC entra em vigor sem passar pelo crivo do Executivo. Ou seja, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teria direito a veto, como ocorre nos projetos de lei.
A PEC da Segurança Pública tramita em paralelo com o projeto de lei Antifacção, cuja votação está prevista para a próxima semana. Há uma percepção entre os parlamentares da oposição que questões mais polêmicas sejam retiradas do PL de Derrite e colocadas na proposta constitucional.
Mendonça Filho também já indicou que deve incluir a possibilidade de execução da pena após confirmação da condenação em segunda instância. Hoje, a pena só é cumprida após o trânsito em julgado, ou seja, quando não há mais chance de o réu apresentar recursos.
A medida também corre o risco de esbarrar no Supremo pelo fato de a presunção de inocência ser considerada “clausula pétrea” da Constituição.
A proposta original
A essência da PEC é ampliar o papel do governo federal para formular políticas da área e dar mais instrumentos para que o consiga coordená-las. Para isso, o texto altera artigos da Constituição que definem a competência de cada poder na segurança pública.
Além disso, também inclui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que vigora por meio de uma lei ordinária desde 2018, na Constituição, a exemplo do que acontece com o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Nacional de Educação.
Na visão de Lewandowski, isso vai dar mais força para que as forças policiais atuem de forma integrada com uma base de dados e procedimentos padronizados — o que não ocorre hoje.
Criação da Polícia Viária Federal
No artigo 22, a PEC substitui o termo “polícias rodoviária e ferroviária federais” para Polícia Viária Federal. Desta forma, o governo federal criaria a primeira polícia ostensiva sob a sua jurisdição, já que as Polícias Militares são subordinadas aos estados. A nova corporação passaria a patrulhar hidrovias e ferrovias, além das rodovias.
Ampliação das prerrogativas da Polícia Federal
O texto também aumenta o escopo de atuação da Polícia Federal, dizendo expressamente que o órgão poderá investigar crimes relacionados a danos ao meio ambiente e “milícias privadas”.
Atribuições das Guardas Municipais
O governo federal também fixa as atribuições das Guardas Municipais a partir do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os seus agentes podem realizar o “policiamento ostensivo”. Essa medida foi acrescentada ao texto em janeiro e possui amplo apoio da classe política.
Corregedorias com autonomia funcional
A PEC também cria corregedorias com “autonomia” que terão a função de “apurar responsabilidade funcional dos profissionais dos órgãos de segurança pública e defesa social caberá às corregedorias, por meio de sindicâncias e processos administrativos disciplinares”.
Constitucionalização dos Fundos
O texto ainda prevê a inclusão dos Fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário Nacional com o intuito de “garantir recursos para apoiar projetos, atividades e ações nessas áreas”, além de vedar o contingenciamento dos recursos.