Violência Contra Mulher

Feminicídio: assunto controverso e, por isso, necessário

A violência contra a mulher é um tema já bastante discutido na mídia, principalmente em…

A violência contra a mulher é um tema já bastante discutido na mídia, principalmente em datas como esta, o Dia Internacional da Mulher. Mesmo assim, persiste em uma parcela da sociedade a dificuldade de compreensão da real dimensão ou das causas do problema, o que se manifesta, por exemplo, na sintomática culpabilização das vítimas. Um tema específico dentro desse universo, porém, provoca controvérsia como poucos: o feminicídio.

Basta acompanhar as seções de comentários de qualquer portal de notícia quando o assunto é o assassinato de mulheres, principalmente se o autor (ou suposto autor) for alguém próximo. É só utilizar o termo “feminicídio” para definir o crime e o que não faltam são expressões de contrariedade, em muitos casos vindos de quem nunca pesquisou o assunto e acredita que a designação “homicídio” já é suficiente para tratar de todos os casos semelhantes.

De fato, o conceito de feminicídio foi abarcado em nossa legislação não há muito tempo. Mais precisamente, tornou-se um termo típico do Direito em março de 2015, depois da aprovação de projeto elaborado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher. A relativa novidade do tema explica parcialmente a rejeição ao assunto.

“O feminicídio é o crime de morte cometido contra as mulheres por questão de opressão de gênero”, explica a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Ariana Garcia, membro da comissão nacional da Mulher Advogada. Ela detalha que o conceito é uma modalidade de homicídio qualificado, que prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos para quem praticar um assassinato contra uma mulher em casos de violência doméstica e familiar, ou em situações de menosprezo ou discriminação à condição de integrante do sexo feminino.

As relações pessoais incluídas no texto independem de orientação sexual e há jurisprudência também no sentido de incluir mulheres transexuais (cujo sexo biológico é masculino, mas que se identificam como do sexo oposto). A legislação prevê ainda agravante no caso de crime cometido contra vítima menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Conforme Ariana, a conceituação específica tem sua razão de ser no Brasil atual, ao contrário do que muitos insistem em bradar Internet a fora. “No feminicídio existe uma motivação específica para o assassinato da mulher. Ele carrega consigo a ideia de inferioridade, da sujeição, de condição subalterna da mulher na sociedade”, enfatiza.

A especialista avalia que a designação do feminicídio veio a complementar os ditames da Lei Maria da Penha, que também visa à proteção da mulher contra a violência. “Pelo fato de não se aplicar corretamente suas diretrizes, não se investir em políticas públicas, ela não foi suficiente”, declara, sobre a legislação que tem como fim a criação mecanismos de combate à violência doméstica e domiciliar contra a mulher, em vigor desde agosto 2006.

Para evidenciar seu posicionamento, Ariana destaca dados do Mapa da Violência que indicam que, entre 2001 e 2011 – portanto no período que compreende a promulgação da Maria da Penha – não houve redução na violência contra a mulher. Entre 2001 e 2006, antes da lei, as taxas de assassinatos foram de 5,28 por 100 mil mulheres, enquanto entre 2007 e 2011, depois da lei, a taxa manteve-se quase idêntica, em 5,22.

É para tentar reverter ou minimizar essa situação que a conceituação do feminicídio existe. “Essa nova lei traz uma pena mais severa e a previsão legal do machismo como motivação. Ela retira da mulher a culpa de sofrer a violência”, resume a advogada.

Vítimas da violência

Maria Cecília Machado é presidente do Centro de Valorização da Mulher (Cevam) e está habituada a receber vítimas de violência. Na entidade que dirige, ela chega a acomodar cerca de 140 mulheres e adolescentes vítimas de violência por mês. Essas pessoas são acolhidas por tempo indeterminado e recebem o apoio necessário para que possam reestruturar suas vidas.

Com sua experiência de 17 anos à frente da instituição, Maria Cecília também comemora a promulgação da Lei do Feminicídio e compartilha do entendimento de que trata-se de uma proposta que veio a incrementar a Maria da Penha. “O feminicídio vem dia a dia matando mulheres de forma assustadora. São necessários dispositivos para que os agressores tenham medo de praticar qualquer ato contra a mulher”, pontua.

Mês após mês, parece que pouca coisa muda quando o assunto é o respeito à integridade da mulher. A diretora do Cevam não consegue sequer calcular quantas vítimas de tentativa de feminicídio atende a cada ano. “Toda vez que uma mulher é agredida com uma faca ou com álcool, ela está sendo vítima de tentativa de feminicídio”, explica, revelando alguns tipos de caso que chegam até ela com relativa frequência.

Mesmo com esses episódios já de certa forma corriqueiros, Maria Cecília também está acostumada a se deparar com quem subestima a importância de legislações específicas para lidar com a violência. “Primeiramente eu acredito que 90% das pessoas não conhecem de fato o termo ‘feminicídio’. Por não conhecerem, falam o que pensam, sem saber o que é”, avalia.

Para ela, a mudança desse paradigma só virá com políticas públicas e campanhas de conscientização, principalmente nas escolas. A educação, defende, é o principal caminho para acabar com o ciclo de violência.

Essa posição também é endossada pela advogada Ariana Garcia. Ela vê na postura de muitos desses comentaristas de Internet os sintomas de uma cultura onde o sexismo está profundamente enraizado.

“A nossa sociedade está impregnada com diversos traços de comportamento machista na forma com que as pessoas se dirigem a uma mulher no trabalho, no desprezo de opiniões nas relações sociais, na violência. É uma coisa muito arraigada em nós”, pondera. “Então o reconhecimento do feminicídio é um avanço, porque como o machismo é um traço da nossa sociedade, muitas vezes negam que ele existe. Ele mata, faz vítimas, mas s pessoas não aceitam dizer que são preconceituosas, que nós tenhamos esse perfil. Para alguns é mais fácil negar que mudar esse paradigma que decorre de uma sociedade patriarcalista”, conclui.