Flerte entre evangélicos e Lula esfria com impasse no projeto que beneficia igrejas
Autor da PEC que amplia imunidade fiscal a templos, Crivella ataca Padilha por falta de apoio do governo

A falta de apoio do Palácio do Planalto a um projeto que amplia a imunidade tributária a igrejas tem atrapalhado as chances de reaproximação dos evangélicos com o governo Lula (PT).
De autoria do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 5/2023, apresentada em março, visa garantir que templos de qualquer culto tenham isenção de impostos na compra de bens para construção e reforma dos templos, manutenção de atividades e prestação de serviço.
A proposta, endossada por 336 deputados federais, aguarda votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. O presidente do colegiado, Rui Falcão (PT-SP), afirmou que a colocaria em votação logo que tivesse sinal verde do Planalto, mas a proposta está parada há quase seis meses.
Segundo apurou a Folha, Falcão conversou com Lula sobre a possibilidade de um endosso formal do governo à proposta, que seria selado num grande evento com líderes evangélicos e de outras religiões.
O presidente da CCJ é um entusiasta da ideia, com potencial para reaproximar igrejas evangélicas, em boa parte bolsonaristas, do presidente. Lula demonstrou interesse e ficou de acionar auxiliares para tentar viabilizá-la quando voltasse da sua viagem à China em abril, mas o processo empacou.
Crivella atribui a inação do Planalto ao ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), articulador político do governo no Congresso Nacional.
“O ministro Padilha tentou. Mas ele não conhece o coração do povo evangélico. É triste vê-lo pensando em si mesmo, nos seus interesses políticos, sem enxergar o que a maior organização social do Brasil, as igrejas, podem fazer pelo nosso povo, sobretudo os mais humildes”, disse o parlamentar.
Pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus –e sobrinho do fundador Edir Macedo–, Crivella é uma das principais pontes entre a denominação neopentecostal e a política.
O deputado defende que a função social das igrejas justifica a renúncia fiscal relacionada ao projeto. “São elas que estão presentes nas áreas dominadas pelo tráfico, onde o Estado tem imensa dificuldade de entrar. A mãe, as irmãs de muitos traficantes pertencem às igrejas das comunidades e são um freio invisível ao aumento da tragédia da violência.”
Padilha evitou contra-atacar. Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais afirmou que Crivella e outros parlamentares evangélicos já foram recebidos pelo ministro, “sempre de forma respeitosa e comprometida para debater temas de interesse da bancada, como a PEC em questão”.
“Nessas oportunidades, a SRI sempre manifestou o absoluto compromisso com a plena liberdade religiosa e de credo, com respeito a todas as crenças, em especial, conforme toda a história de vida e política do ministro e de sua família.”
Quanto à PEC, finalizou a nota, “o governo tem todo o interesse em debater com o Congresso, tendo mobilizado ministérios, deputados e senadores afeitos ao tema”.
Nos bastidores, Padilha pondera que o entrave à PEC é a preocupação fiscal. O ministro encaminhou a questão ao Ministério da Fazenda, junto ao qual tenta viabilizar um projeto alternativo ao de Crivella –mas de autoria do Executivo.
A Secretaria de Imprensa da Presidência afirmou que, em princípio, questões tributárias serão tratadas no âmbito da Reforma Tributária. O órgão informou não haver programação de um evento com religiosos para marcar apoio ao projeto. Procurada, a Fazenda disse que não se manifestaria.
“O importante é o governo mostrar respeito à democracia que ele cobra tanto do governo anterior e não interferir nas iniciativas parlamentares. Afinal, o pilar da democracia é a independência dos Poderes”, provoca Crivella.
Ex-senador e ex-ministro da Pesca no governo de Dilma Rousseff (PT), o pastor foi prefeito do Rio de Janeiro de 2017 a 2020, mas não se reelegeu. Preso nos últimos dias do mandato por acusação de corrupção, ficou detido por quase dois meses.
Elegeu-se deputado em 2022, mas neste ano virou réu na Justiça Eleitoral e teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio –um desembargador suspendeu a decisão.