Disputa

Liminar do TJ suspende chamamento de OS para gerir escolas estaduais no Entorno do DF

Mais um processo de chamamento de Organização Social (OS) para gestão de colégios estaduais foi…

Mais um processo de chamamento de Organização Social (OS) para gestão de colégios estaduais foi suspenso pela Justiça na última quinta-feira (5). O caso ocorreu por meio de uma decisão liminar concedida pela juíza Flávia Zuza para contemplar uma ação movida pelos ministérios públicos Estadual (MP-GO) e de Contas (MPC). Contra o governo, os órgãos questionaram o edital, que pagaria em três anos, R$ 135.364.179, para que uma empresa, supostamente mais eficiente que o estado, administrasse 14 escolas da chamada Macroregião V, que abrange as cidades de Luziânia e Novo Gama.

A iniciativa governamental é encarada pelos órgãos como oferecedora de riscos administrativos ao patrimônio público, ao funcionamento regular da rede estadual de educação e ao processo educacional dos discentes das unidades escolares. Nesse bojo, a Ação Civil Pública (ACP) que deu início ao caso, considera que iniciativa do governo é inconstitucional, por promover privatização do ensino público com a transferência da competência estadual, prevista na Constituição Federal (CF), a uma entidade privada usando como justificativa um “retórico” aumento da eficiência na gestão dos recursos. Baixe a ACP: Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4.

Para a procuradora do MPC Maísa Castro, uma das signatárias do documento, por trás da “retórica de eficiência”, o governo busca, na verdade, um mecanismo de fuga ao regime jurídico de direito público a qual se submete a Administração Pública. “O estado de Goiás pretende transferir a OSs vultuosas quantias sem nenhum controle efetivo de gastos e do emprego de recursos por trás das referidas organizações. Paralelamente, a Secretaria de Estado da Educação (Seduce) não demonstrou que os custos dos serviços a serem contratados seriam menores que os do estado se praticados pela iniciativa privada.  Ainda, não provou que o valor pactuado com as OSs seria correspondente ao dos custos dos serviços se executados pelo próprio governo”.

Maísa afirma considerar frágil o modelo de implementação de OSs na Educação (Foto: divulgação/Arquivo Pessoal)

A ACP critica, portanto, a “absorção” de competências estaduais pelas OSs, em alusão à Lei 9.637/98, que possui artigos que se referem à extinção de entidades públicas após a transferência de suas atividades a organizações empresariais. “Isso gera uma sensação de que é o início de um processo de privatização integral. A principal preocupação do MPC é o regular emprego dos recursos na atividade educacional. Essa capacidade fiscalizatória tem que ser comprovada, já que pretende deixar de administrar a atividade escolar de maneira direta. O estado tem que estar com o planejamento de fiscalização em funcionamento antes da transferência, o que não foi comprovado na nossa visão”.

Conforme expõe Maísa, para afirmar que a gestão privada é mais eficiente, o governo precisa comprovar com dados. “Tem que ser capaz de mensurar gastos e qualidade atuais da educação na gestão pública e comparar isso com os mesmos indicadores de uma gestão privada. A Seduce, até o momento, foi incapaz de demonstrar essa lógica”.

“Esvaziamento”

Desse modo, outros motivos apontados pelos promotores e procuradores que assinam o documento para combater a medida é a preservação da valorização de profissionais da educação e impedir que haja esvaziamento da atuação estatal na área educacional. Segundo Maísa, o edital permitia que a empresa selecionada realizasse contratação de pessoal sob regime celetista, o que é vedado no caso da Educação pela CF.

“Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido que no modelo de gestão compartilhada as OSs podem contratar pessoal sob regime celetista, sem concurso público, a análise foi generalista, dando tratamento similar a áreas da Saúde, Educação e Cultura entre outras. No entanto, diferentemente das outras áreas, a Constituição Federal expressamente reforça que os profissionais da Educação ingressem exclusivamente por concurso”. Ela se refere ao artigo 206, o que dispõe sobre a valorização dos profissionais da educação escolar. “Garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos”, diz o texto.

TJ

A decisão acatou os mencionados argumentos apresentados pelos MPs. Para a juíza, o modelo de gestão compartilhada acarreta o “dispêndio” de recursos públicos, o que pode causar dano ao erário. “Dessa maneira, a suspensão do Edital de Chamamento prestigia o interesse público,
bem como preserva o erário, posto que caso haja transferência de verbas a eventual entidade vencedora, dificilmente se reverterá o investimento dos recursos públicos pelo planejamento executivo traçado”, considerou.

Ela continua. “Assim, defiro o pedido liminar e determino a imediata suspensão do Chamamento Público nº 02/2017, e seus efeitos acaso já
decorrida a homologação ou efetivada a contratação, para assegurar o resultado prático equivalente deste provimento judicial”.

Batalha

Desde 2016, o governo e os ministérios públicos tem travado uma batalha jurídica em relação ao chamamento e processos seletivos de organizações sociais voltadas para a área educacional. De lá pra cá, duas recomendações e quatro ACPs tomaram forma nos órgãos ministeriais para evitar que o governo, por meio da Seduce, transferisse a gestão de colégios em Anápolis, Águas Lindas e Planaltina – ambas no Entorno do Distrito Federal (DF) –, por exemplo. Atualmente, segundo a própria secretaria, nenhuma escola é gerida por organizações privadas em Goiás.

“É uma batalha para tornar viável esta iniciativa, que é uma das plataformas deste governo. Porém, temos um grupo de atuação conjunta com o MP-GO, que trabalha para propor recomendações e ACPs. A cada chamamento, analisamos o conteúdo, nos reunimos e recomendamos. Diante da paralisação do Estado, a gente judicializa a questão”, reforça Maísa.

Apesar das insistências para concretizar a aplicação do modelo de gestão, as intervenções do MPC e MP-GO reiteram repetidamente que as iniciativas carecem de capacidade de justificar a transferência da gestão de forma técnica. Foi assim também no caso Itego, quando o promotor Fernando Krebs questionou a falta de capacidade técnica da OSs selecionada para conduzir o trabalho. Nesse caso, em agosto de 2017, ACP também desencadeou a suspensão do contrato firmado entre a empresa e o Estado.

A “eficiência” apregoada pelo governo, segundo a ACP, também pode ser confrontada por interrupções nas atividades do Instituto Tecnológico do Estado de Goiás em Artes Basileu França em 2017, quando a Justiça também determinou a suspensão do contrato existente entre o governo e a OS Centro de Gestão em Educação Continuada (Cegecom). Na época, dentre os motivos apontados por Fernando Krebbs estavam a falta de certidões que atestassem a idoneidade moral dos dirigentes da organização, bem como documentações que demonstrassem que professores possuíam currículo vasto na área de atuação”.

Sobre as repetidas intervenções ministeriais, Maísa conclui. “Já percebi que a administração realmente acredita no modelo. Nosso papel como MPC é duvidar e prezar pelo regular emprego dos recursos. Por enquanto, acho o modelo frágil para conseguir assegurar o adequado implemento dos recursos na Educação”.

Seduce

A secretaria se manifestou por meio de nota. Leia a íntegra:

“A respeito do Chamamento Público nº 02/2017, que prevê parceria com uma Organização Social para gestão de 14 escolas ligadas à Macrorregião V – Luziânia/Novo Gama, a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), por meio do Núcleo de Monitoramento de Gestão Compartilhada, informa que tal processo encontra-se sobrestado desde o mês de maio.

A decisão de paralisar o referido Chamamento Público foi tomada pela própria Seduce com a finalidade de aguardar o julgamento do mérito das ações impetradas contra os outros chamamentos públicos lançados anteriormente”.