CPI

Relatos de Pfizer, Anvisa e Wajngarten reforçam indícios de negligência de Bolsonaro

O depoimento à CPI da Covid do Senado nesta quinta-feira (13) do gerente-geral da Pfizer…

Bolsonaro quer reaproximação com ministros do STF
Bolsonaro quer reaproximação com ministros do STF (Foto: Carolina Antunes/PR)

O depoimento à CPI da Covid do Senado nesta quinta-feira (13) do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, reforçou junto com outros prestados nesta semana os indícios de que o presidente Jair Bolsonaro negligenciou a pandemia.

O representante da Pfizer afirmou que a empresa fez em 2020 ao Brasil ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra o coronavírus e que o governo federal ignorou proposta para comprar 70 milhões de unidades do imunizante.

As falas de Murillo confirmam o que foi dito um dia antes na comissão pelo ex-secretário Fabio Wajngarten (Comunicação), segundo o qual o país deixou parada a negociação com o laboratório durante dois meses.

Na avaliação de senadores do grupo majoritário da CPI e integrantes da equipe do relator Renan Calheiros (MDB-AL), ambos os depoimentos, aliados ao do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, indicam negligência por parte do presidente com medidas de combate ao coronavírus.

Barra Torres, em oitiva na comissão na terça (11), se contrapôs a discursos negacionistas de Bolsonaro e disse que barrou uma tentativa de mudar a bula da cloroquina para indicá-la a casos de Covid-19.

Nesta quinta, Murillo disse à CPI que, se o contrato com a Pfizer empresa tivesse sido assinado pelo governo de Jair Bolsonaro em agosto do ano passado, o Brasil teria disponíveis 18,5 milhões de doses da vacina até o segundo trimestre (abril, maio e junho) deste ano.

Desse total, 4,5 milhões seriam entregues entre dezembro e março, começando com 1,5 milhão no último mês de 2020.

O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março, no qual adquiriu 100 milhões de doses, dos quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e os 86 milhões restantes, no terceiro trimestre (julho, agosto e setembro).

Segundo informou Murillo, foram entregues até o momento um total de 2,2 milhões de doses.

Em oitiva na CPI, o representante da Pfizer construiu uma linha do tempo. Segundo ele, as negociações com o Brasil começaram em maio, e a primeira oferta ocorreu em 14 de agosto. Depois, o laboratório fez mais duas ofertas, em 18 de agosto e 26 de agosto, ambas ignoradas pelo Executivo, como mostrou a Folha no início de março deste ano.

Nas três foram feitas propostas separadas de entregas de dois quantitativos: 30 milhões e 70 milhões de doses para entrega parcelada até o final de dezembro de 2021. “A proposta de 26 de agosto tinha validade de 15 dias. Passados 15 dias, o governo não rejeitou e nem aceitou a oferta.”

As duas ofertas previam que ao menos 1,5 milhão de doses chegariam ao Brasil ainda em dezembro de 2020. Como a oferta foi ignorada, segundo Murillo, em novembro as negociações foram retomadas com mais duas propostas.

Desta vez, só estava na mesa a possibilidade de compra de 70 milhões de doses e não havia mais a chance de alguma vacina da Pfizer chegar em 2020. O Brasil receberia 8,5 milhões de doses nos dois primeiros trimestres de 2021.

Já neste ano, em 15 de fevereiro, a Pfizer fez nova oferta ao governo. Só havia uma proposta na mesa, para a compra de 100 milhões de doses. Mais uma vez, a gestão Bolsonaro não fechou o acordo.

Em 8 de março, de acordo com o representante da farmacêutica, foi feita mais uma oferta, semelhante à de fevereiro, para a entrega de 100 milhões de doses, sendo 14 milhões no segundo trimestre de 2021 e mais 86 milhões no terceiro trimestre —esta foi aceita pelo Brasil.

Murillo disse que só ficou confiante com o fechamento do acordo para o fornecimento da vacina com o governo brasileiro no dia 19 de março deste ano, quando o contrato de fato foi assinado.

Durante a oitiva desta quinta, senadores, entre eles o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), fizeram questão de ressaltar o cálculo feito pelo gerente-geral da Pfizer de que, caso o Brasil tivesse firmado um trato no ano passado, poderia ter recebido 18,5 milhões de doses até agora.

Isto porque pela oferta feita em agosto do ano passado, teriam sido entregues 1,5 milhão de doses em dezembro, 3 milhões no primeiro trimestre (janeiro, fevereiro e março) e 14 milhões no segundo trimestre (abril, maio e junho).

Em depoimento, Murillo confirmou a conversa telefônica mencionada por Wajngarten e que envolveu Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Murillo afirmou que telefonou ao ex-secretário ao ter conhecimento de um email de Wajngarten para o CEO global da Pfizer, sobre um ofício da empresa que estava parado havia dois meses no governo.

De acordo com ele, o secretário inicialmente se inteirou das tratativas e depois seguiu para o gabinete de Bolsonaro, que recebia Guedes. “O ministro Guedes perguntou o quantitativo ofertado. Ele indicou que o Brasil precisava de mais quantidade e eu respondi que nós vamos procurar oferecer maior quantitativo.”

No dia anterior, Wajngarten havia trazido a informação do telefonema. Em seu relato, afirmou que o presidente escreveu em um papel a palavra “Anvisa”, indicando que seria necessário primeiro a autorização da agência de vigilância sanitária. E Guedes, segundo afirmou, teria dito “vacina é o caminho”.

A Anvisa deu registro definitivo à vacina da Pfizer em 23 de fevereiro passado. Ela foi aprovada pela agência de vigilância dos Estados Unidos em novembro de 2020 e poderia ter pedido o aval para uso emergencial para uso no Brasil em dezembro, caso assim se mobilizassem as autoridades que negociavam a vacina.

Em depoimento à CPI, o presidente da Anvisa disse que a agência não tem discriminação contra nenhuma vacina e age de modo técnico.

O gerente-geral da Pfizer também disse que as condições impostas para a venda de vacinas ao governo brasileiro não eram “leoninas”, como descreveu o ex-ministro Eduardo Pazuello como justificativa para a demora na compra de doses. “Não estou de acordo com essa categorização de que as condições eram leoninas.”

Murillo afirmou que as condições eram, em linhas gerais, as mesmas oferecidas para outros países, com pequenas variações por causa das peculiaridades de cada localidade.

As condições impostas pela empresa, que exigia imunidade por eventuais efeitos colaterais da vacina e queria garantias de pagamentos no exterior, entre outros pontos, foram apontadas pelo governo brasileiro como obstáculo para a aquisição da imunização.

Mais à frente no depoimento, o gerente-geral da Pfizer confirmou a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) em reunião para tratar da compra de vacinas.

Murillo disse que duas representantes do jurídico da empresa mantinham reunião no Palácio do Planalto com Fabio Wajngarten e seus auxiliares, para esclarecer pontos relativos à aquisição da vacina e possíveis entraves.