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Lula diz não ter interesse em enviar munição à Ucrânia e propõe fórum de paz

Diante do premiê alemão, presidente diz que invasão foi erro e que 'quando um não quer, dois não brigam'

Presidente diz que invasão foi erro Lula diz não ter interesse em enviar munição à Ucrânia e propõe fórum de paz

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, nesta segunda-feira (30), a criação de um grupo de países para negociar o fim da Guerra da Ucrânia, que completa um ano no próximo dia 24. O petista disse ainda que o Brasil não tem interesse em enviar munições à Ucrânia porque não quer ter qualquer participação no conflito, mesmo que indireta. O líder brasileiro vetou o envio de munição de tanques à Alemanha, que seria a intermediadora, para não provocar a Rússia e não abalar sua posição de neutralidade.

A declaração ocorre após encontro do presidente com o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, no Palácio do Planalto. Os dois deram declarações à imprensa com visões distintas sobre o conflito no país europeu. Na visão do premiê alemão, qualquer saída para a guerra passa pelos russos reconhecerem que seus objetivos militares fracassaram.

Para Lula, os esforços internacionais até o momento foram infrutíferos para dar fim à guerra, cujos motivos de origem não estão claros para o petista —ele mencionou como possíveis causas a proximidade da Ucrânia com a União Europeia, a instalação da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) em países fronteiriços com a Rússia e a ocupação de território ucraniano por Moscou.

“Temos que criar outro organismo, da mesma forma que criamos o G20 quando ocorreu a crise [econômica] de 2008″, disse Lula em entrevista coletiva. “A gente tenta criar, a gente cria um clube ecológico e a gente cria um clube das pessoas que vão querer construir a paz no planeta”.

O presidente disse ainda que a China pode ter um papel importante para intermediar o fim do conflito e que conversará com o dirigente chinês, Xi Jinping, quando for ao país asiático em março. “Está na hora da China colocar a mão na massa e tentar ajudar a encontrar a paz entre Rússia e Ucrânia“.

O petista disse ainda que o Brasil não venderá munição para a Ucrânia, negando a solicitação feita pela Alemanha. A decisão ocorreu no último dia 20, na reunião do petista com os chefes das Forças Armadas e o ministro da Defesa, José Múcio. Foi a véspera da demissão do comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda.

“O Brasil não tem interesse em passar as munições para que elas sejam utilizadas na guerra entre Ucrânia e Rússia. O Brasil é um país de paz, o último contencioso nosso foi a guerra do Paraguai. E, portanto, o Brasil não quer ter qualquer participação, mesmo que indireta”, afirmou.

Lula fez críticas também indiretas à forma como a comunidade internacional liderou a tentativa de resolução do conflito, e chegou a dizer que a palavra “paz” tem sido pouco utilizada.

Em maio do ano passado, em entrevista à revista Time, o então candidato disse considerar que o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, era tão responsável quanto o russo Vladimir Putin pela guerra. Na ocasião, disse ainda que os EUA e a União Europeia estimularam o conflito e fez duras críticas à ONU, que, segundo ele, “não representa mais nada” e “não é levada a sério pelos governantes”.

Nesta segunda-feira, após o encontro com Scholz, o petista fez reparos à sua última fala, que repercutiu negativamente entre países ocidentais. O petista disse que “quando um não quer, dois não brigam”, mas que a Rússia está errada por ter feito a invasão.

“Naquela época [da entrevista à Time] eu disse uma coisa que eu ouvi a vida inteira. Quando um não quer, dois não brigam. Até aquele momento quem não vive na região não entendia muito bem por que aquela guerra estava existindo”, disse.

“Hoje eu tenho mais clareza da razão da guerra; e eu acho que a Rússia cometeu o erro clássico de invadir o território de outro país; portanto, a Rússia está errada”, prosseguiu. “Eu continuo achando que quando um não quer, dois não brigam. É preciso que queiram paz.”

Lula esteve reunido, a sós, com o alemão por aproximadamente 1h30. Na sequência, ocorreu uma reunião ampliada, de cerca de uma hora, com a presença de ministros Mauro Vieira (Itamaraty), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da assessoria especial do presidente, também esteve presente.

Antes da declaração de Lula, Scholz também fez um pronunciamento. Nele, disse que o conflito na Ucrânia foi tema da reunião com o brasileiro, assim como energia verde e proteção das florestas.

O premiê alemão apresentou um posicionamento distinto de Lula quanto à guerra, defendendo mais pressão contra a Rússia, e disse que a retirada das tropas de Putin é uma condição para a solução do conflito.

“Temos uma posição clara em que condenamos a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, porque é uma violação do direito internacional. Não podemos, pela força, ficar com uma parte do nosso vizinho. A história do Brasil também está relacionada a isso, aliás, a história de muitos países”, disse Scholz.

Após a reunião, o governo brasileiro divulgou um breve comunicado conjunto negociado com os alemães. No texto, os dois dizem deplorar “enfaticamente a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional.”

“[Lula e Scholz] Lamentaram a perda de vidas humanas e a destruição da infraestrutura civil, bem como o imenso sofrimento humano e agravamento das vulnerabilidades da economia mundial causados pela guerra”, continua o comunicado.

A vinda de Scholz é a primeira visita de um líder europeu ao Brasil desde o início do governo Lula. Na cerimônia de posse do terceiro mandato do petista, a Alemanha foi representada pelo presidente Franz-Walter Steinmeyer. Antes de desembarcar no Brasil, Scholz também esteve na Argentina e no Chile, no fim de semana, com os presidentes Alberto Fernández e Gabriel Boric.