POSSÍVEL MAUS-TRATOS

Necropsia aponta hematomas no peitoral de girafas mortas após serem importadas pelo BioParque do Rio

O EXTRA teve acesso aos laudos de necropsia das três girafas que morreram no dia 14…

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Necropsia aponta hematomas no peitoral de girafas mortas após serem importadas pelo BioParque do Rio (Foto: divulgação - Agência Brasil)

O EXTRA teve acesso aos laudos de necropsia das três girafas que morreram no dia 14 de dezembro após serem importadas da África do Sul pelo BioParque do Rio. Eles apontam que os animais não resistiram a um quadro de miopatia após sofrerem edemas e enfisemas pulmonares. Em duas das três girafas, foram encontrados hematomas no peitoral e, em uma delas, também havia um coágulo na base do pescoço. O documento está com data de 20 de janeiro, mas só foi entregue ao Inea no último dia 25.

A miopatia é uma condição que ocorre após o animal sofrer um estresse tão grande que seu próprio organismo degenera alguns músculos, levando-o à morte. Os laudos foram produzidos pelo patologista veterinário Luís Gustavo Picorelli de Oliveira, em conjunto com veterinários do BioParque e do Portobello Safári, resort em Mangaratiba em que as girafas estão de quarentena desde que chegaram ao Brasil, em 11 de novembro.

Nenhuma das três girafas teve o sistema nervoso avaliado na necrópsia. O laudo não apresenta fotos dos corpos dos animais e também não diz de que forma eles foram capturados: se foram usados dardos tranquilizantes ou se os animais precisaram ser laçados, por exemplo.

Uso de cordas

Apesar de não constar no laudo cadavérico, o registro de ocorrência feito pela Polícia Federal no último dia 25, após inspeção no galpão onde estão os animais, ao qual o EXTRA também teve acesso, indica que as girafas foram recapturadas “por meio de contenção física por cordas adequadas”, segundo o próprio diretor de operações do BioParque, Manoel Browne.

Os laudos histopatológicos apontam que as lesões pulmonares encontradas costuma ocorrer com animais de grande porte após permanecerem longos períodos na posição de decúbito lateral (deitados de lado), resultando em “congestão e atelectasia hipostática”.

Segundo o médico veterinário de animais silvestres Mário Henrique Alves, a miopatia de captura é muito comum em escape de herbívoros. Contudo, o fato dos laudos não estarem acompanhados de fotos dos órgãos e dos principais grupos musculares dos animais não é comum:

— O decúbito lateral, os coágulos e as lesões no pulmão são compatíveis com miopatia de captura. Mas um laudo sem fotos é um laudo de baixíssima qualidade, porque você precisa confiar no redator dele. É questão de bom senso: tanto o laudo macroscópico quanto o microscópico necessitam ter muitas fotos do local, do momento da necrópsia e das lesões. Não é comum a apresentação de um laudo sem imagens.

O especialista também destaca que o método de captura física, com cordas, “é no mínimo curioso, porque quem já trabalhou com girafas ou com qualquer outro megavertebrado sabe que isso é uma coisa muito difícil de ser feita”.

— Além da questão relacionada ao uso de cordas, não há profissionais habilitados para fazer captura química de girafas no Brasil. Até porque também o país não tem algumas das drogas que são muito importantes para essa contenção, como a etorfina. A falta de detalhes de como foi realizada essa captura associada à falta de fotos, e a falta de posicionamento da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab) gera muita desconfiança — afirma Alves, que já trabalhou em zoológicos e projetos de conservação no Brasil e hoje atua em um zoológico na Colômbia.

O GLOBO ainda aguarda um posicionamento do BioParque do Rio sobre o caso. A Azab, por sua vez, informa que já se manifestou por meio de nota e reforça que a decisão de trazer as girafas foi uma prerrogativa das próprias instituições envolvidas, não sendo notificada previamente a se manifestar sobre o interesse de trazer esses animais. Diz ainda que não tem, no momento, nenhum programa consolidado para conservação de girafas e que é contra qualquer aquisição ilegal de animais.

Ainda segundo o laudo cadavérico, após derrubarem as cercas do solário onde se iniciava um cambiamento para saírem dos galpões onde faziam quarentena, as girafas foram recapturadas às 13h40. Os animais foram encontrados mortos dentro das baias dos galpões às 18h, às 20h30 e às 23h35 do mesmo dia.

Segundo o Inea, o BioParque só avisou sobre a morte de três das 18 girafas trazidas da África do Sul seis dias após o ocorrido, no dia 20 de dezembro.

O Inea informa ainda que, só recebeu os laudos em 25 de janeiro — mais de um mês após a morte dos animais — e constatou que nele faltavam esclarecimentos técnicos a respeito de alguns pontos da necrópsia e do resultado dos estudos histopatológicos e, por isso, ainda não conseguiu concluir as análises. O órgão diz ainda que as instituições (BioParque e Safári Portobello) solicitaram a prorrogação de cinco dias úteis para responder os questionamentos referentes ao laudo da necrópsia das girafas e do laudo histopatológico. O pedido foi feito na noite da última sexta-feira (28), e o órgão concedeu o novo prazo.

Dentre os questionamentos solicitados pelo órgão ambiental às instituições está a data da necrópsia realizada nas girafas que não foi informada para o Inea (ao contrário do estudo histopatológico, cuja data é de 20 de janeiro). Diz também que a não entrega dos questionamentos supracitados é passível de autuação, conforme preconiza a Lei Estadual 3.467/2000.

O EXTRA perguntou a Azab como a instituição não sabia da iniciativa de trazer as girafas, uma vez que seu vice-presidente, Claudio Maas, é o resposável técnico do BioParque do Rio. A instituição disse que “todos os associados efetivos, estejam ou não em cargo de direção, fazem parte de alguma Instituição. Em situações como essa, o associado efetivo ocupante de cargo em direção na Azab não participa das decisões tomadas pelos demais membros da diretoria que representam a Azab”.

“A retirada de animais da natureza não é uma prática de zoológicos atuais, mas há situações previstas na legislação brasileira e internacional em que os órgãos ambientais federais, sob justificativa e licenças específicas, permitem essa retirada com base em programas estabelecidos de conservação, no caso de espécies ameaçadas com risco iminente de extinção, a fim de evitar que desapareçam da natureza”, disse a Azab, por nota.

O BioParque do Rio importou 18 girafas da África do Sul que, segundo a instituição, seriam destinadas ao próprio BioParque, ao Safári Portobello e a outros zoológicos que tivessem interesse e capacidade de receber girafas. Hoje, com a morte de três dos animais, restaram apenas 15. As girafas foram enterradas em uma vala sanitária próximo ao local onde estão alojadas, segundo o zoo do Rio.

*Por: Jornal Extra