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Pandemia aumenta mortes por demência em negros, enquanto taxa cai entre brancos

Mortes de pessoas pretas e pardas causadas por demência aumentaram aproximadamente 15 pontos percentuais no…

Mulher negra aguarda medicamento sentada em uma cama de hospital
Pandemia aumenta mortes por demência em negros, enquanto taxa cai entre brancos (Foto: Paula Fróes - Governo da Bahia)

Mortes de pessoas pretas e pardas causadas por demência aumentaram aproximadamente 15 pontos percentuais no Brasil em 2020, aponta um novo estudo. Para brancos, porém, a taxa de mortalidade diminuiu (-1,4) na comparação entre 2019, ano pré-pandemia, e o período seguinte, dominado pela crise sanitária provocada pelo coronavírus.

Como possíveis explicações para essa discrepância, os pesquisadores apontam fatores de risco a que a população negra está mais suscetível e que pioraram com a Covid-19.

Realizada por cientistas da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com a colaboração da Universidade de Queensland, na Austrália, a pesquisa comparou os dados disponíveis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) sobre demência em todo o país entre os anos de 2019 e 2020.

Quanto à hospitalização e aos custos de tratamento, foi constatado que houve diminuição no último ano para todos os brasileiros. No entanto, a mortalidade por demência cresceu somente em pessoas pretas e pardas.

“Alguns estudos, tanto antes quanto durante a pandemia, já tinham alertado que a população negra, não só no Brasil, mas especialmente nos Estados Unidos, tinha um maior risco para casos e óbitos por demência quando se compara com outros grupos étnicos”, afirma Natan Feter, doutor em educação física pela UFPel e um dos autores do estudo .

Para Feter, um acúmulo de fatores pode explicar o aumento dessa taxa de mortalidade em pessoas negras durante a pandemia. Uma das razões seria o fato de que essa parcela da população foi mais afetada economicamente durante a disseminação do coronavírus. Isso tende a elevar o estresse e outros problemas de saúde mental, considerados importantes fatores de risco para os quadros de demência.

Outra hipótese para explicar esse incremento nos óbitos é a dificuldade que a população negra tem em acessar sistemas de saúde, principalmente com o aumento de casos de Covid-19. “As pessoas, mesmo precisando de uma consulta, deixaram de buscar o serviço durante a pandemia”, avalia.

Feter ressalta ainda que estudos anteriores já demonstraram que as pessoas normalmente buscam prioritariamente serviços de emergência em casos de demência —o que também mostra a baixa adesão a um tratamento adequado e precoce da doença.

Isso faz com que o diagnóstico da demência demore mais a ser realizado. Esse atraso, por consequência, prejudica o início do tratamento e aumenta as chances de morte.

Feter também aponta que outros fatores de risco para demência que não necessariamente se relacionam com a pandemia, como diabetes e hipertensão, já tinham maior prevalência entre a população negra.

“Quando nós temos de 40% a 50% dos casos de demência atribuíveis a fatores de risco modificáveis, e sabemos que a prevalência desses fatores de risco é maior na população negra, não é tão surpreendente assim que essas pessoas estejam morrendo mais por essa doença”, destaca.

E, como são comorbidades que também elevam as chances de morrer com a Covid-19, “então a população negra com demência têm uma dupla carga de fatores de risco [na pandemia]”, afirma o pesquisador.

O estudo também observou particularidades regionais. Foi constatado, por exemplo, que na região Sul houve um aumento nas hospitalizações e nos custos médios do tratamento da doença e uma redução na taxa de mortalidade. Já no Nordeste, a hospitalização subiu, enquanto os custos e a mortalidade diminuíram.

Mesmo com essas variações, Fater afirma que “a disparidade [racial] é bastante marcante” no contexto geral do Brasil.

Para lidar com esse cenário, o pesquisador aponta a importância de implantar políticas públicas para diminuir a prevalência desses fatores de risco na população negra e, consequentemente, reduzir a mortalidade por demência.

Um exemplo seria a criação de um plano nacional de combate à demência, o que, na América Latina, é uma realidade somente no Chile.

“O Brasil não tem um plano nacional de combate à demência porque ele está estagnado no Senado Federal, sem uma previsão de continuidade. Então, numa conversa para estruturar esse plano, seria necessário incluir como diminuir a disparidade étnico-racial”, afirma. ​