NA CAPITAL

‘Me chamou de bombrilzinho’, diz mulher que denuncia racismo no Mercado da 74

Violência aconteceu na semana em que o País celebra o Dia da Consciência Negra

Imagem mostra mulher sentada enquanto homem abaixa as calças "e faz pum" em sua direção
Ativista relata ter sido vítima de crime de racismo durante comemoração do seu aniversário de 54 anos (Foto: Reprodução/Câmera de Segurança)

Na semana em que o País celebra o Dia da Consciência Negra, a gerente de Igualdade Racial de Goiânia, Sandra Regina Martins, viveu um episódio que transformou o que deveria ser uma comemoração em um trauma. Ativista há mais de três décadas no Coletivo de Mulheres Negras Samba Criola, ela relata ter sido vítima de crime de racismo no Mercadão da 74 de Goiânia, no último domingo (16), quando comemorava antecipadamente seu aniversário de 54 anos. Ela relata foi, inclusive, chamada de “bombrilzinho” pelo agressor.

Sandra, que é gerente na Secretaria de Política para as Mulheres, Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh) da capital, contou que havia reservado uma mesa grande para receber a família. Segundo ela, ao retornar do banheiro, encontrou parte da mesa desfeita e as netas de 8 anos sendo orientadas por um frequentador do local a se retirar.

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A situação piorou quando ela tentou dialogar com o homem. “Quando voltei, eu falei para ele que aquela mesa era nossa e expliquei que eu estava recebendo meu pessoal. Ele bateu na minha cabeça, pois ele é mais alto que eu, e falou assim: ‘Não, bombrilzinho, está tudo resolvido. Fica tranquila aí’.”

Sandra afirma que procurou a gerente do estabelecimento, que disse que aquele mesmo homem já era conhecido por comportamentos problemáticos no local. A gerente, então, providenciou outra mesa. “Seguimos com as comemorações e não tivemos nenhum problema na maioria do tempo. Em determinado momento, minha neta me disse que ele ficou encarando ela e fazendo gestos de macaco. E eu virei sua cadeira para o outro lado.”

O clima piorou no fim do evento. “Quando estava terminando, eu fui passar próximo ao palco, onde ele estava, e ele bloqueou minha passagem e disse: para passar aqui precisa pedir licença. Eu respondi ‘sai da minha frente’ e fui dançar.” Segundo Sandra, pouco tempo depois, o agressor se aproximou. “Ele veio na nossa direção e disse: ‘Aqui para vocês, ó’. E fez um pum na nossa cara. Eu fiquei tão passada que levantei e gritei para o segurança, pedi para o pessoal chamar a polícia. Mas ele pegou a chave [do carro] e saiu correndo, deixando até a mulher que estava com ele para trás.”

Busca por justiça

Abalada, Sandra afirma esperar que o caso tenha desdobramentos legais. “Racismo é um crime inafiançavel. Eu sou uma pessoa pública e trabalho com combate ao racismo há mais de 30 anos. Eu falo sobre isso o tempo inteiro”.

A ativista diz que o episódio atingiu não apenas ela, mas toda a família. “Isso foi tão dolorido, que eu tinha uma palestra na segunda-feira (17/11) e não consegui falar. Minha neta estava lá e chorou. Isso não é só desrespeitoso. As pessoas continuam no mesmo tempo da escravidão. Os brancos fazem o que querem e não dá pra ser assim”.

“Não quero mais sair de casa”

O aniversário de Sandra foi na terça-feira (18/11), mas as comemorações acabaram interrompidas pelo episódio. “Não quis mais comemorar. Todo ano eu e meus filhos saímos, fazemos alguma coisa. Mas esse ano não quis, nem eu nem meus filhos, nem ninguém, não tinha ânimo para isso. Não quero sair de dentro da minha casa. O que posso dizer é que estou ruim”.

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A gerente afirma que seguirá cobrando responsabilização e justiça. O caso já foi registrado na Delegacia Estadual de Atendimento à Vítima de Crimes Raciais e de Intolerância (Deacri). A polícia tenta idenficar o agressor que teve seu comportamento confirmado pelas câmeras de segurança do local, bem como pela versão apresentadas pelas testemunhas.

Tipificação

O caso tem sido tratado com base no Art. 2°-A da Lei 7.716/1989. A legislação garante punição a quem “injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional”. A pena prevista para este crime é de reclusão, com prazo estabelecido de dois a cinco anos, além de multa. De acordo com a legislação, a pena pode ser aumentada de metade se o crime for cometido mediante à colaboração de duas ou mais pessoas.

Em Goiás

O registro do crime de racismo aumentou 23,45% em Goiás, de 2023 para 2024. Conforme o Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2025, publicado no dia 25 de julho deste ano, o avanço foi de 597 para 737 no período. Por outro lado, a injúria racial registrou queda de 8,06%, indo de 620 para 570. Já o racismo por homofobia ficou estável, oscilando de 123 para 124 (0,81%) entre os anos.

Nota técnica do anuário esclarece que a lei que trata dos crimes de racismo no Brasil foi alterada em 2023 para incluir a injúria racial, agora considerada um crime autônomo. Antes, era uma qualificadora da injúria motivada por raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa, ou com deficiência. Dessa forma, nem todas as unidades federativas contabilizam a injúria racial nos registros dentro da categoria racismo. Clique aqui e acesse mais detalhes do levantamento.

Semana da Consciência Negra

Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, surgiu como uma data dedicada à reflexão sobre a luta, a resistência e as contribuições da população negra na construção do Brasil. A escolha do dia marca a morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência contra a escravização e de busca pela liberdade. Em 2023, passou a ser oficialmente reconhecida como feriado nacional, com a sanção da Lei 14.759/2023 pelo presidente Lula (PT), reforçando o papel fundamental da data na promoção da igualdade racial e no combate ao racismo estrutural.