ELEIÇÕES

Base de Lula vê falta de mobilização social como risco para governo e eleição em 2026

Perda de conexão com camadas populares, oposição fortalecida e comunicação analógica são citados como desafios para Lula

Deputado goiano de partido da base assina pedido de impeachment de Lula
Deputado goiano de partido da base assina pedido de impeachment de Lula (Foto: Agência Brasil)

(Folhapress) As recentes crises da gestão Lula (PT) levaram a base do governo a se preocupar com a necessidade de uma articulação de movimentos sociais e partidos aliados para reagir ao avanço da oposição e evitar que a sangria de capital político e popularidade atrapalhe os planos eleitorais do presidente.

A controvérsia em torno do Pix e a repercussão negativa da inflação dos alimentos são apontadas como problemas que Lula poderia enfrentar sem tantos percalços se estivesse mais conectado com setores da sociedade para auxiliá-lo na chamada luta política, como em mandatos anteriores do PT.

Segundo pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira (27), a avaliação negativa do governo Lula cresceu seis pontos no intervalo de um mês e meio, atingiu 37% (maior patamar numérico no mandato) e, pela primeira vez, superou a positiva (31%).

A popularidade da gestão derreteu especialmente no Nordeste (onde a avaliação positiva recuou de 48% para 37%); entre as mulheres (avaliação negativa subiu de 27% para 36%); entre os que completaram o ensino médio (avaliação negativa passou de 33% para 43%) e entre os que ganham de dois a cinco salários mínimos (avaliação negativa foi de 32% para 41%).

Líderes de organizações alinhadas ao governo se queixam da falta de uma postura mais incisiva do Palácio do Planalto em defesa de pautas que promovam debate e mobilização. A avaliação do governo, por sua vez, é que a ausência de base no Congresso força uma escolha de batalhas.

Com as vitórias colhidas pela oposição bolsonarista nas últimas semanas, assuntos como o risco de impeachment e a memória das manifestações de junho de 2013 vieram à tona. Governistas apostam nos esforços para dar uma guinada na comunicação como forma de recuperar terreno.

O coordenador nacional da CMP (Central de Movimentos Populares), Raimundo Bonfim, diz ser natural que a atuação dos movimentos fique “aquém do necessário” quando assumem governos do que ele chama de campo democrático. A perda de tração foi observada sob outros mandatos do PT.

“Não tenho problema em fazer autocrítica, e a gente praticamente está desarticulado. Por que saímos das ruas?”, questiona o petista, acrescentando que as fragilidades do governo são anteriores à comunicação.

“O governo precisa fazer disputa política diuturnamente, assim como [Jair] Bolsonaro fez todos os dias de seu governo, e por isso quase foi reeleito. Se a cada vez que apresentar uma proposta e vier alguém como [o deputado] Nikolas Ferreira bater, o governo recuar, é muito complicado.”

O ineditismo de governar com uma oposição dura e fortemente organizada, depois da vitória com o resultado mais apertado desde a redemocratização, é motivo de alerta na esquerda desde 2022.

Com a experiência de quem sofreu impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou em discurso após a posse de Lula que um governo não se mantém “sem uma estrutura de organização popular” e que a sustentação era fundamental para não ocorrer “nenhuma ruptura”.

Advertências semelhantes são feitas pelo ex-ministro José Dirceu (PT), do núcleo duro do primeiro governo Lula. Em artigo na Folha em janeiro de 2024, ele escreveu que um dos rumos para a sobrevivência da esquerda passava por garantir “apoio social para as reformas necessárias”.

As questões ganharam urgência com a persistência do bolsonarismo, impondo ao governo resistência em determinados grupos, e com a onda internacional conservadora, coroada pela nova eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.

Para Bonfim, a volta de Trump mostra “que só a institucionalidade é insuficiente para conter o avanço da extrema direita e do fascismo”. Ele diz que é preciso escalar porta-vozes combativos, como o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), para difundir os feitos do governo e reaquecer os movimentos.

Recorrendo à tese de que a esquerda ficou analógica enquanto a direita dominava a esfera digital, o deputado estadual Gil Diniz (PL-SP) vê Lula perdendo confiança entre os mais pobres. “A cada medida impopular do governo, as pessoas vão aderindo ao nosso discurso”, afirma o bolsonarista.

O secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto, diz que “mostrar que a extrema direita não faz bem ao povo” deve ser uma tarefa compartilhada entre governo e partido. Ele projeta um novo gás para a militância com a entrada do governo na segunda metade e os ajustes da reforma ministerial.

“Temos que pautar o país, e não deixar que a oposição faça isso”, resume o deputado federal (SP).

Interlocutores do governo defendem que um dos caminhos para se reconectar com as camadas populares seja colocando em debate, nas ruas e no Congresso, temas da vida real. A taxação dos super-ricos e o fim da escala de trabalho 6×1 são citados como assuntos com potencial para aglutinar forças.

Autora da PEC (proposta de emenda constitucional) para reduzir a jornada, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) diz que a esquerda “precisa voltar para as bases, falar a língua do povo e devolver esperança”. Afirma ainda que o governo “poderia ter se empenhado mais” pelo projeto.

“Talvez a oportunidade do governo esteja aí, para ajudar a dar a força que esse debate merece e jogar luz naquilo que, de fato, interessa e mobiliza a classe trabalhadora, que não é esquerda, direita ou centro.”

O esvaziamento das bandeiras nessa seara reflete ainda as mudanças no universo do trabalho. Lula e seu governo têm se equilibrado entre medidas para a fatia com carteira assinada e acenos a grupos que têm se aproximado da direita, como empreendedores e trabalhadores de aplicativos.

Representantes de movimentos sindicais também atribuem o papel secundário do setor, na comparação com os primeiros governos petistas, à escassez de financiamento desde a reforma trabalhista de 2017, no governo Michel Temer (MDB). O principal fator para a queda foi o fim do imposto sindical.

O fiasco de público no ato das centrais sindicais no 1º de Maio de 2024, em São Paulo, ilustrou a adversidade. No palco, Lula fez cobranças ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, responsável oficial pela interlocução do governo com os movimentos sociais.

João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, diz que a gestão Lula 3 continua em dívida com os trabalhadores porque “não debateu os direitos sociais que foram retirados”, mas ressalva que o segmento mantém pontes por encontrar abertura para o diálogo.

Juruna faz críticas à estratégia de conciliação com alas da direita. “O governo deve ter a audácia de lançar propostas populares, que ganhem os brasileiros, e deixar que o Congresso as recuse se achar que é o caso. Se fizer só acordo e articulação, nunca vamos sair da dificuldade.”