QUEDA

Organização de atos contra Bolsonaro admite repensar datas e estratégias

Os sinais de cansaço dos manifestantes, com a menor presença de público em atos como o…

Movimentos sociais mudam atos de rua para 11 de agosto para coincidir com manifestos
Movimentos sociais mudam atos de rua para 11 de agosto para coincidir com manifestos (Foto: Jucimar de Sousa - Mais Goiás)

Os sinais de cansaço dos manifestantes, com a menor presença de público em atos como o de São Paulo, levaram a organização dos protestos nacionais contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a rever o planejamento de datas e estratégias para tentar brecar o esvaziamento da mobilização.

O tema ainda será discutido nesta semana pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, núcleo de movimentos sociais, partidos e centrais sindicais majoritariamente ligados à esquerda que é responsável pela onda de quatro atos iniciada em maio e que teve a edição mais recente no sábado (24).

Conversas iniciais, no entanto, apontam para a necessidade de readequação do calendário, possivelmente com um intervalo maior para o próximo ato. Uma das ideias é marcá-lo para 7 de setembro, o que resultaria em um espaço de 45 dias sem manifestações, mas ainda não há deliberação.

Originalmente, o plano era que a mobilização de sábado passado fosse a subsequente à de 19 de junho, mas os articuladores decidiram convocar uma marcha extra para 3 de julho, para aproveitar a repercussão das primeiras denúncias de corrupção na compra de vacinas contra a Covid-19 pelo governo.

Apesar da queda no número de participantes em diversos locais, os coordenadores viram como positivo o recorde de 509 atos, em todos os estados e também fora do país. Segundo a campanha, 600 mil pessoas se juntaram às passeatas, marcadas por uma capilaridade territorial mais significativa.

Capitais como São Paulo e Brasília registraram número menor de apoiadores, mas pessoas ligadas ao núcleo central afirmam que outros locais, como Salvador e Belo Horizonte, mantiveram o nível de adesão ou até perceberam elevação.

O risco de perda de fôlego já era debatido, com alas que defendem tanto espaçamento maior quanto ritmo mais intenso de manifestações, além de outros formatos. A proposta de greve geral, que alguns movimentos e entidades sindicais vocalizam, voltou a circular, mas está longe de ser consensual.

Um documento de avaliação interna do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) após o levante do dia 3 alertou para o perigo da “convocação excessiva de atos”. A recomendação era de cautela para evitar queimar rápido demais a energia de setores da sociedade que vinham se engajando.

De modo geral, os ativistas relacionam a chance de comparecimento a duas questões: uma mobilização articulada, com atividades prévias que divulguem a convocação, e a temperatura política da hora, com fatos que instiguem os críticos do presidente a saírem de casa.

No caso do protesto de sábado, que já era visto como uma espécie de teste para a disposição dos manifestantes após uma sequência de três grandes atos em 56 dias (29 de maio, 19 de junho e 3 de julho), alguns elementos indicavam a possibilidade de menor adesão.

A pressão pelo impeachment de Bolsonaro estagnou em Brasília com a declarada oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao andamento de algum dos mais de cem pedidos de destituição do mandatário que foram protocolados na Casa.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro reforçou sua base parlamentar com a escolha de Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do centrão, para a Casa Civil. Com o ambiente nada animador para os querem a saída do presidente, cresce também a dificuldade para insuflar a militância.

Outra questão considerada era o período de recesso da CPI da Covid no Senado, que esfriou o noticiário sobre a atuação do presidente na crise sanitária em que 550 mil pessoas morreram no país, o fracasso do governo no combate à doença e as suspeitas de corrupção na aquisição de imunizantes.

Embora as revelações trazidas pela investigação parlamentar tenham aparecido em discursos e cartazes, ganhou espaço nas manifestações a reação às ameaças do Planalto à realização das eleições de 2022, depois de mais uma semana de crise protagonizada por militares do governo.

“Em geral, grandes mobilizações dependem de fatos com impacto na opinião pública. A do dia 3, que foi definida com base nas informações que começavam a surgir, teve esse apelo”, diz Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, uma das entidades que puxam as passeatas.

O progresso gradual da vacinação também vinha sendo tratado como mais um fator a contribuir para o esvaziamento das marchas, que têm como bandeira, além do “fora, Bolsonaro” e do apelo por auxílio emergencial de R$ 600, a cobrança de mais doses para proteger a população.

Na avenida Paulista, no entanto, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) tratou o avanço da imunização como algo positivo para os atos. Ele discursou que, após ser vacinada, a população jovem, incluindo estudantes e universitários, se sentirá mais segura para aderir às multidões de descontentes.

A campanha que agrega as entidades organizadoras diz oficialmente que ainda fará uma avaliação conjunta, conversará sobre datas e identificará as causas do arrefecimento para definir novas táticas.

Membros da linha de frente disseram à Folha, reservadamente, que o grande dilema hoje é como obter resultados concretos, já que as marchas se firmaram como uma vitrine para expressar a insatisfação popular com o governo, mas objetivamente nada produziram.

A ampliação ideológica, tida como um dos eixos que ajudariam a encorpar a iniciativa, ainda é discreta e restrita a capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, onde siglas como PT, PSOL e PC do B passaram a ter a companhia de setores de partidos como PSDB, PDT, PSB, Cidadania e Solidariedade.

Sem acordo para se juntarem às passeatas, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua) anunciaram para 12 de setembro sua própria manifestação nacional contra Bolsonaro, apoiada por forças da direita não bolsonarista, sobretudo do Novo e do PSL.

Ministros e deputados aliados de Bolsonaro viram com certo alívio os indícios de desmobilização das ruas. Como mostrou o Painel, aliados do presidente qualificaram os atos como reduzidos e consideraram que eles não ganharam peso suficiente para empurrar Lira em direção ao impeachment.

Bolsonaristas também buscam tachar os protestos como eventos de campanha do ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas para a corrida eleitoral de 2022, e exploram imagens de episódios de violência ocorridos até aqui, como casos de depredação na capital paulista.

Raimundo Bonfim, coordenador da CMP (Central de Movimentos Populares) e um dos líderes das marchas, minimiza a redução de público e diz que foram “quatro grandes protestos em 57 dias”, em meio à pandemia e à suspensão da CPI. “E que mesmo assim movimentaram milhares de pessoas.”

“Os próximos passos serão decididos de forma coletiva e preservando a unidade, mas tudo indica que tenhamos um período maior para a próxima mobilização”, afirma. Para ele, a distribuição geográfica, com atos espalhados por médios e pequenos municípios, é um bom indicador para o futuro.

O desafio agora, segue Raimundo, é chegar às camadas mais afetadas pelo governo. “Precisamos mostrar à população que queremos o ‘fora, Bolsonaro’ porque ele é o responsável pela grave crise social, materializada no desemprego e no aumento da fome e da pobreza”, conclui.

“As manifestações seguem grandes e incomodando o Planalto, mas é necessário ampliá-las para pressionar definitivamente o presidente da Câmara”, diz Antonio Neto, que é presidente do diretório paulistano do PDT e da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), também organizadora.

“Ações extremistas e violentas não colaboram e afastam a sociedade. A prioridade tem que ser uma amplíssima unidade pelo ‘fora, Bolsonaro'”, acrescenta.

Em São Paulo, uma das novidades no sábado —além do resgate da bandeira brasileira e da camisa da seleção, buscando tirar delas a condição de símbolos bolsonaristas— foi o caminhão de som do chamado Bloco Democrático, grupo que misturou partidos e grupos para além da esquerda.

Para Marco Martins, que é coordenador do movimento Acredito e se empenhou nos diálogos que resultaram na ala heterogênea, “em perspectiva o balanço foi positivo”. Ele considera a ausência de novos elementos e o fato de não ter havido “nenhuma sinalização de que o impeachment andou”.

“E, mesmo assim, foi um protesto grande e com a novidade de que conseguimos atrair para a rua forças mais diversas da direita, sem nenhum conflito aqui em São Paulo”, diz. Em 3 de julho, na Paulista, militantes do PCO agrediram membros do PSDB que compareciam pela primeira vez.

Presidente da UP no estado de São Paulo e coordenadora da coalizão Povo na Rua, Vivian Mendes defende a continuidade e, mais do que isso, uma escalada dos atos. Também prega uma greve geral construída em conjunto com outros setores políticos. “Mas não está fácil”, queixa-se.

“Tem muita gente dizendo que quer derrubar o presidente e trabalhando duramente só para desgastá-lo para o ano que vem”, diz, referindo-se às eleições de 2022 e ecoando a tese de que siglas como o PT queiram mais “sangrar” Bolsonaro do que tirá-lo do cargo.

Segundo pesquisa Datafolha deste mês, 54% dos brasileiros querem a abertura de impeachment, ante 42% que rejeitam. Foi a primeira vez, desde que o instituto começou a indagar sobre o tema, em abril de 2020, que a maioria dos entrevistados se disse a favor dos trâmites para a deposição do mandatário.