Preço de smartphones sobe 88% em um ano; veja os motivos
Smartphones estão sujeitos a variação do dólar, crédito, entre outros fatores. Preço médio subiu para R$ 2.557

(O Globo) Dólar alto, crédito mais caro, avanços tecnológicos como 5G e inteligência artificial (IA), tarifaço de Donald Trump nos EUA e muita incerteza são alguns dos fatores que fizeram disparar no Brasil os preços de um item que já pode ser considerado essencial na vida de qualquer um: o smartphone.
Dados inéditos da consultoria IDC apontam que os preços desses aparelhos subiram, em média, 88% entre o primeiro trimestre de 2024 e o deste ano. O valor médio foi de R$ 1.361 para R$ 2.557 em um ano.
Apesar do baixo desemprego e da renda em alta, o bolso do consumidor tem dificuldade de acomodar essa espécie de inflação eletrônica, e o resultado é visível nas lojas. As vendas de celulares recuaram quase 10% em 12 meses.
Por trás dos preços altos está uma espécie de tempestade perfeita que torna a compra de um celular novo um desafio ainda maior agora, do ponto de vista orçamentário.
Em uma indústria que conta com muitos componentes importados, a alta do dólar no ano passado — ainda que tenha havido uma trégua em 2025 — impactou os preços dos aparelhos aqui justamente no momento em que os fabricantes investem em modelos mais sofisticados para a conexão 5G, bem mais veloz que as tecnologias anteriores, e as soluções de IA, que demandam chips com maior capacidade de processamento e baterias mais robustas. Tudo isso encareceu os novos modelos.
A queda nas vendas acendeu um sinal amarelo entre os fabricantes. Para recuperar a demanda e a rentabilidade, a reação passa por mudanças nos portfólios, com a introdução de linhas com modelos mais baratos sem abrir mão de propriedades que hoje estão na centro do discurso das peças de marketing do setor: a alta velocidade do 5G e a IA capaz de gerar textos e imagens até por meio de comandos de voz.
Também ganha força outra estratégia: a maior nacionalização da fabricação de smartphones entre companhias que vão da americana Apple e da coreana Samsung às chinesas Jovi, Realme e Oppo.
Alta de custos
Para Reinaldo Sakis, diretor de Pesquisas da IDC, o cenário é desafiador tanto no ambiente global, com as tarifas impostas pelos EUA desorganizando cadeias produtivas do setor, como no doméstico, onde o ciclo de alta dos juros básicos (que chegaram a 14,75% ao ano neste mês), inibe crédito mais generoso para um item que a maior parte dos brasileiros compra a prazo.
Além disso, ele observa que a atual conjuntura coincide com a atualização tecnológica por que passam os smartphones:
— O preço alto neste início de ano é um reflexo de todas as incertezas que vêm aumentando. Ao longo de 2024, a cada trimestre houve altas nos valores dos celulares. Mas, agora, há uma perspectiva de piora no ambiente macroeconômico em um momento em que a tecnologia se impõe. Hoje, por exemplo, metade dos smartphones vendidos já é de Quinta Geração (5G), que têm preço maior.
Segundo ele, a perspectiva é de alguma melhora ao longo do ano, mas chegando a dezembro com pouco menos de 38 milhões de unidades comercializadas, 6% menos que em 2024. Se esse cenário se concretizar, a categoria pode ter seu desempenho mais fraco desde 2019, quando vendeu 49,3 milhões de celulares.
— O setor também vem precisando lidar com o aumento dos custos com as mudanças logísticas que podem ocorrer por conta da tarifação dos EUA, já que há uma série de produtores de componentes em diversos países — destaca o especialista, para quem a trégua de 90 dias na guerra comercial entre EUA e China não afasta todas as incertezas.
Ari Lopes, gerente de pesquisa para Américas da Omdia, vê entre os fabricantes a tentativa de renovar o portfólio com produtos mais acessíveis. De acordo com ele, os modelos com preços abaixo de R$ 1.200 começaram 2025 com participação de 40% nas vendas, o dobro de um ano antes. Lopes ressalta ainda que o Brasil, por ser um grande mercado com taxas de importação de aparelhos de cerca de 40%, tem atraído a produção de multinacionais interessadas em vender mais por aqui:
— O Brasil ainda sofre com o mercado ilegal, que chega a responder por quase 20% das vendas. Então, empresas buscam formas de reduzir custos.
Mais investimentos
A americana Apple, em um movimento inédito, decidiu iniciar a produção de um lançamento no Brasil, em uma fábrica da Foxxcon, em São Paulo. Ainda que a empresa tenha mais chances de driblar os obstáculos por conta de seu posicionamento premium, lançou em fevereiro, pela primeira vez desde 2022, uma versão mais econômica de sua linha principal.
O iPhone 16e tem praticamente todos os recursos dos outros modelos, como o Apple Intelligence, seu sistema de IA que tem o ChatGPT integrado, ligação via satélite e chip A18, o mais moderno da marca. E será produzido no Brasil. O preço de R$ 5.799 fica bem abaixo dos R$ 7.799 da versão 16 regular.
Em um movimento semelhante, a Samsung, líder de mercado, anunciou em abril o smartphone 5G mais barato de seu catálogo: o Galaxy A06 5G, vendido por R$ 899 em parceria com as operadoras de telefonia móvel. Na ocasião, Gustavo Assunção, vice-presidente sênior da Samsung Brasil, disse que o objetivo é facilitar o acesso. Em outro movimento, a coreana — que atualmente responde por cinco em cada dez celulares vendidos no Brasil — anunciou na semana passada uma versão mais light de sua linha mais cara, o S25 Edge, que terá recursos de IA, mas com preços menores.
— É um novo movimento nos aparelhos de entrada. E estamos melhorando os recursos, trazendo atributos até então presentes na categoria intermediária — afirmou o executivo no lançamento do A06.
Teles reforçam lojas
O cenário tem levado as teles a voltarem a apostar na venda de aparelhos. Segundo dados da IDC, as teles somaram 12,15% das vendas de celulares no início deste ano, mais que os 9,28% de 2024. Mas, se depender de Tim, Claro e Vivo, essa fatia crescerá mais.
Elas têm aumentado o subsídio à troca de aparelhos em seus planos pós-pagos, com parcelamentos superiores a 20 meses. O foco está na ampliação das vendas de celulares 5G, cujo uso ainda é limitado no país.
Com mais competição, nas varejistas de eletrônicos há mais descontos. O administrador de imóveis Rudá Simões precisou trocar de celular às pressas depois de uma pane no aparelho antigo em pleno domingo.
Fez uma pesquisa on-line e se surpreendeu com o nível atual dos preços de celulares, mesmo nos sites das teles. Acabou achando uma boa oferta de iPhone numa rede:
— Comparando valores entre operadoras e grandes varejistas, consegui encontrar um modelo novo com condição de pagamento vantajosa. Pesquisei bastante até encontrar algo que coubesse no orçamento.
Avanço chinês
O Brasil vem recebendo investimentos inéditos de marcas chinesas de smartphones, que vão da construção de fábricas a parcerias com teles e varejistas nacionais.
A Realme anunciou produção local na Zona Franca de Manaus há poucas semanas. Também está lançando aqui modelos com IA e maior capacidade de processamento. Na semana passada, apresentou o 14T 5G, a partir de R$ 1.799. No fim do mês traz a série premium GT 7.
— A meta de produção é atingir mais de 28 mil unidades mensais. A fábrica (em Manaus) facilitará a adaptação dos produtos às preferências dos consumidores locais. Para 2025 planejamos abrir 10 lojas da marca no Brasil e inaugurar 40 centros de serviços para melhor experiência aos consumidores — diz Tedy Wu, CEO da Realme para América Latina, que firmou parceria com a distribuidora Rcell.
O movimento da Realme é seguido pela Oppo, que fez acordo de produção local com a brasileira Multilaser e vem ampliando o portfólio no Brasil, com os modelos Reno 13 e 13 F, a partir de R$ 3.699. Para André Alves, gerente sênior de vendas da Oppo, a estratégia permite oferecer preços mais competitivos e produtos alinhados às preferências e desejos do consumidor brasileiro.
— Mesmo em um cenário desafiador, temos registrado resultados muito positivos. Estamos confiantes com os próximos passos no mercado brasileiro — afirma.
Segundo Alves, o Brasil é um mercado estratégico para a chinesa. A meta é posicionar o país entre os seus cinco principais mercados globais:
— No cenário local, nosso objetivo é alcançar a vice-liderança entre as marcas Android (o sistema operacional do Google) até 2029. Para isso, seguimos com investimentos consistentes na expansão da nossa presença, fortalecendo a marca, ampliando a quantidade de canais de venda e estabelecendo parcerias estratégicas com o varejo.
Nova no mercado
A Jovi, da chinesa Vivo Mobile — presente em mais de 60 países —, iniciou a produção local em Manaus, em janeiro. Segundo a companhia, a fábrica já incorpora componentes estratégicos, como memórias e materiais de embalagem, fornecidos por parceiros locais, eliminando o custo com importação.
A Jovi vai lançar no fim deste mês seus primeiros modelos no Brasil e já selou parcerias com teles e redes de varejo.
— Estamos entusiasmados em estarmos no Brasil e próximos ao nosso primeiro lançamento. Enxergamos um grande potencial no mercado local e, por isso, chegamos com uma operação com estrutura de vendas com parceiros e portfólio pensado para o Brasil. Queremos oferecer produtos competitivos aos usuários — destaca Jorge Gloss, diretor de Marketing da Jovi.