Licitação fraudulenta e desvio de dinheiro

PC confirma desvio de R$ 200 mil em contrato de limpeza urbana de Pirenópolis

Peculato, fraude em licitação, falsidade ideológica e associação criminosa. Estes são os crimes pelos quais…

Peculato, fraude em licitação, falsidade ideológica e associação criminosa. Estes são os crimes pelos quais responderão os nove detidos na operação da Polícia Civil (PC) que investiga irregularidades em processo licitatório e desvio de dinheiro em Pirenópolis. O caso envolve os secretários de Administração e Infraestrutura da cidade, assessores jurídicos e especiais, bem como proprietários da Soma, empresa contratada para realizar a limpeza urbana do município. De acordo com a titular da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), Mayana Rezende, embora as oitivas não tenham sido concluídas, já foi possível apurar o desvio de, pelo menos, R$ 200 mil e determinar que, de fato, houve fraude na licitação para escolha da referida companhia.

Contratada por R$ 3,4 milhões para realizar serviços que vão de varrição de ruas e coleta de lixo até locação de equipamentos e veículos para condução dos trabalhos no período entre abril e dezembro de 2018, a empresa alterava a quantidade e valor dos serviços prestados para ser capaz de desviar dinheiro. De acordo com Mayana, vários dos serviços eram acompanhados em campo pelo próprio secretário de infraestrutura, responsável por fiscalizar os trabalhos, mas que ao invés disso era conivente com a ação criminosa”.

Lista de serviços a serem prestados pela Soma. Segundo delegada, itens eram alterados e superfaturados (Foto: Hugo Oliveira/Mais Goiás)

Mayana explicou que a empresa superfaturava dados quanto aos serviços prestados e ainda deixava de fornecer alguns itens previstos, embora recebesse por eles. “O contrato especifica a varrição de vários bairros, mas dois deles ficavam de fora. Para dar aparência de legalidade, eles aumentavam a quilometragem do serviço naqueles setores onde de fato atuavam para que essa quantidade excedente cobrisse os bairros que ficavam desassistidos”. Enquanto isso, a falha consentida da empresa era sanada pela prefeitura, que realizava por conta própria a limpeza desses locais.

“Favores”

Em troca pelos “favores políticos” prestados por agentes da administração, a empresa realizava contratações de aliados dessas pessoas e até executavam serviços pagos com dinheiro publico em propriedades privadas dos envolvidos. Evidências apontam até que as referidas admissões de pessoal eram realizadas após entrevista com o próprio secretário de infraestrutura. “Com a chancela de servidores públicos e secretários, empresários adulteravam as quantidades de varrições e valores de locações para superfaturar os serviços. A companhia funcionava como braço administrativo da prefeitura que ficava com o dinheiro desviado e retribuía a vista grossa com favores políticos, que iam desde a contratação de aliados até a realização de serviços em locais particulares”.

Delegada Mayana, ao lado do conjunto de provas colhidas até o momento (Foto: Hugo Oliveira/Mais Goiás)

Até o momento, segundo Rezende, não ficou caracterizado o repasse de dinheiro desviado pela empresa para agentes público. “O que ficou comprovado foi o dolo da administração em consentir que esses desvios viessem a ocorrer e persistissem acontecendo. Porque, para que a empresa recebesse os valores, baseadas nos relatórios superfaturados,  precisava da aprovação do controle interno, secretário de infraestrutura e de governo, que eram as únicas pessoas com condições de perceber as irregularidades”.

Licitação fraudada

Conforme expõe a delegada, as investigações ocorridas em parceria com o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), tiveram início em agosto de 2018 e mesmo assim a empresa conseguiu prorrogar o contrato para até setembro de 2019. Para Mayana, esta é “mais uma evidência de que funcionários da alta administração não só tinham conhecimento dos desvios, mas os referendavam”.

Outro indício é a montagem da minuta do edital para participação no processo licitatório. Segundo a polícia, a ficou comprovado o favorecimento da empresa Soma em detrimento das demais participantes. “Ficou constatado o direcionamento da licitação. A minuta do edital foi apresentada pelo proprietário da empresa. Ou seja, houve um conluio prévio com a cúpula da administração”.

O favorecimento da licitação também foi comprovado pelo TCM. Auditor de Controle Externo do tribunal, Rúbens Custódio, que participou das investigações, revela mais detalhes. “Fizemos uma análise técnica nos contratos de limpeza urbana, verificando o que estava contratado e se realmente estava sendo executado pela empresa. A fraude na licitação foi detectada porque o edital era copia integral de editais oferecidos por outros municípios. Inclusive quando vamos no anexo do edital da prefeitura de Pirenópolis, há um link direcionando o usuário para o mesmo edital no site de outra prefeitura, onde a mesma empresa também realiza serviços”. Confira a entrevista completa com Rúbens abaixo:

 

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Mandados e detenções

Dos 10 mandados de prisão emitidos, nove foram cumpridos. A expectativa é de que o documento sobressalente deva ser executado ainda nesta quinta-feira (7) contra uma pessoa associada aos contratos de locação na companhia, cuja razão social é Amarilis Prestacional Eirelli-ME. O nome deste último envolvido não foi divulgado. As oitivas e interrogatórios com os reclusos ainda não foram concluídas. “Vamos ouvir quem está prezo, havendo necessidade, ouviremos também o prefeito [João do Léo (DEM)]. Até o momento, ele não foi associado ao esquema”.

Até o momento estão detidos o secretário de Governo, Adriano Gustavo de Oliveira e Silva; o secretário de Infraestrutura e Trânsito, Ozair Louredo da Cunha; bem como o servidor do Departamento de licitações e contratos, Lucas Augusto Barbosa Sousa; o assessor Especial, Marcos Aurélio Figueiredo; o consultor jurídico, Waidson José Pereira Arantes; e o chefe do Controle Interno, Ney Jakson Oliveira. Ainda compõem a lista o autônomo Júlio César Alves Bueno e os empresários Diogo Rosa de Castro e Kelly Miquelante Oliveira de Castro. Treze mandados de busca e apreensão também foram cumpridos em Pirenópolis e Goiânia.

A investigação partiu de uma denúncia anônima recebida pelo Ministério Público, que por sua vez repassou à Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Dercap), onde Mayana era lotada. Com sua transferência para a Deic, o inquérito passou a ser conduzido nesta última delegacia.

Defesas

O Mais Goiás conseguiu falar com a defesa de alguns dos detidos. O advogado César Augusto Feliciano, representante de Ney Jacson Oliveira, afirmou não ter tido acesso ao inquérito e não se pronunciou. Joab Aldaídes, que intercede pelo consultor jurídico Waidson Arantes, também destacou a falta de acesso ao inquérito e prefere ter acesso ao teor do documento para avaliar se é o caso de apresentar um habeas corpus.

Os advogados Jonas Batista e Cristiano Pereira, contratados pelo gerente de compras e licitações Lucas Augusto, afirmam que não houve fraude na referida licitação. “O processo foi conduzido com lisura. A única fraude que poderia constar é na execução do contrato. Nosso cliente cumpre ordens, apenas executava o que lhe era ordenado”. Apesar das tentativas, este portal não conseguiu contato com as defesas dos demais envolvidos, mas, caso haja interesse, reservará espaço para que elas se manifestem.