MÚSICA

Adriana Calcanhotto lança disco composto, gravado e produzido na quarentena

Assim que começou a quarentena, Adriana Calcanhotto decidiu tentar compor algo a cada manhã. Trocou…

Adriana Calcanhotto lança disco composto, gravado e produzido na quarentena
O álbum “Só” foi todo feito num período de 43 dias de isolamento. "Acordava e ia fazer música até a hora do almoço", diz Adriana Calcanhotto (Foto: Divulgação)

Assim que começou a quarentena, Adriana Calcanhotto decidiu tentar compor algo a cada manhã. Trocou sua peça de vestimenta predileta, o pijama — com o qual ela já se apresentou até em programa de TV —, por roupas do dia a dia, criando uma rotina de trabalho.

Foi a partir desse processo que surgiram as nove canções inéditas de “Só”, todo composto, gravado e produzido num período de 43 dias de isolamento social.

— Ele não nasceu como álbum, longe disso. Mas eu acordava com uma disposição de agir. Acordava, colocava uma roupa e ia fazer música até a hora do almoço. Só disposição não garante canções, mas elas foram surgindo. Vi que eram uma safra só, tinham unidade, aí passei a encarar mais como disco — conta Adriana.

Apesar do título, a artista não está desacompanhada no novo trabalho. Além do cantor e compositor Arthur Nogueira, que co-produziu o álbum e formou um triunvirato paraense ao lado dos conterrâneos STRR e Leo Chaves para trabalhar nas melodias pré-produzidas em casa por Adriana.

— Não tinha distanciamento nenhum enquanto eu fazia as canções, era tudo mais urgente do que é em geral no meu trabalho — diz a gaúcha de 54 anos, cujo disco anterior, “Margem” (2019), foi lançado após um hiato de sete anos sem uma coleção de inéditas. — O Arthur me conhece, é autor, compositor, tem um ponto de vista sobre cada canção. Mas não nos falamos muito. Ia mandando uma música de cada vez, foi pá pum.

Do samba ao funk

E assim brotaram os temas de “Só”, com o amálgama antropofágico que caracteriza a obra da Mulher do Pau Brasil, aglutinando ingredientes e temperos do samba (“Sol quadrado”), do funk (“Bunda lê lê”, em parceria com Dennis DJ) e da balada (“Tive notícias”). Ou às vezes tudo isso junto e misturado, com pitadas de eletrônico, como em “Eu vi você sambar”.

— As atmosferas musicais vêm mais na hora dos arranjos. Para explicar à distância, dizer isso ajuda. Essas referências significam coisas diferentes para cada música — conta Adriana, que elogia o “generoso e engajado” Dennis DJ. — Eu pensava na salada do funk, na dificuldade de ouvir o funk em função das letras, e usei as mesmas palavras:”vai, senta e bunda” (risos). Eu tenho lidado muito com essa batida, e o Dennis faz uma conjunção de uma coisa lúdica com o peso do funk. Para não ficar um funk híbrido, como são os meus, quis um original.

Como um diário, com datas e horários anotados para cada canção, “Só” reflete sobre os anseios da vida de isolamento durante a pandemia, dando à luz versos como “Em tempos de quarentena… / Nós estamos amontoados e sós”, em “O que temos”, na qual cita as sacadas dos sobrados de “Terra”, de Caetano Veloso, que por sua vez citou as sacadas dos sobrados de “Você já foi à Bahia?”, de Dorival Caymmi.

— Alguma cultura musical aparece, mas não tinha aquela coisa de ser um álbum assim, assim, assim. Cada faixa foi caso a caso. E todas as intuições estavam muito certas. Como eles detalharam isso, não sei. Mas chegava uma canção do Arthur, voltava legal, mandava outra.

Além do trio do Pará, participam do disco músicos como Rafael Rocha (percussão), Bruno Di Lullo (violão e baixo), Bem Gil (guitarra) — que formaram a banda base de “Margem” — e outros com quem Adriana ainda não havia colaborado, como Zé Manoel (piano) e Chibatinha (guitarrista do grupo Attooxxa).

— Não conheço pessoalmente o Chibatinha e o Zé, mas tenho admiração por eles. Todos estão tocando como se estivessem juntos, não ouço como algo frio, distante. Tinha o intuito de botar a galera para trabalhar, mas muitos abriram mão do cachê, quiseram dar também — conta a cantora, que reverteu os direitos artísticos de todas as faixas de “Só” para instituições como Redes da Maré, A Rocinha Resiste e Coletivo Papo Reto.